Uma guia de montanha que conhece os perigos e a beleza das alturas, sendo ignorada em um resgate.
**O Eco Silencioso da Cuesta**
O ar do alto da Cuesta era um bálsamo para Elara, uma mistura de terra úmida, pinheiros resinosos e a promessa distante do mar. As botas de couro rachado de Elara se agarravam à trilha estreita, cada passo uma conversa antiga com a montanha que a vira crescer. Ela conhecia cada fenda, cada rocha solta, cada capricho do vento que podia soprar uma nuvem preguiçosa para o vale em um piscar de olhos. Era uma guia, sim, mas mais que isso, era uma filha da Cuesta, sua voz sussurrando os segredos que a montanha revelava apenas para aqueles que a ouviam de verdade.
Naquele dia, o sol pintava as nuvens de um dourado quase doloroso, e o peso do equipamento em suas costas parecia mais leve, alimentado por uma quietude incomum. Foi então que o chamado chegou, um grito distante e fraco, quase tragado pela vastidão do verde. Elara parou, o corpo tensando, os ouvidos aguçados. O som vinha de um ponto onde ela sabia que a trilha se tornava traiçoeira, um labirinto de pedras e mato alto, onde um tropeço podia significar o fim.
Ela sabia quem eram. Um grupo de turistas, ansiosos pela paisagem, mas desprovidos da prudência necessária. Elara já os vira antes, risonhos e barulhentos, ignorando seus avisos sobre o tempo imprevisível e os caminhos perigosos. Ela lhes oferecera uma rota mais segura, mas preferiram a aventura, a foto perfeita, o desafio que não lhes pertencia.
A sirene soou horas depois, um lamento estridente que se perdia na imponência da Cuesta. Um resgate oficial, mobilizado pela demora dos turistas em retornar. Elara observou de longe, a frustração corroendo-a. Ela sabia o caminho mais rápido, o atalho seguro que poucos conheciam, mas ninguém lhe pedira para guiar. A ansiedade nos rostos dos familiares no centro de visitantes era palpável, um espelho da angústia que ela sentia. Sabia que o tempo era crucial, e cada minuto gasto em buscas desorganizadas aumentava o risco.
Sentiu um nó na garganta. Ela, a que entendia a Cuesta como ninguém, a que podia prever a neblina que se formava nas covas, a que sentia a pulsação da terra sob seus pés, estava sendo relegada ao papel de espectadora. A burocracia, o protocolo, a desconfiança para com aquela mulher que falava com as pedras e os ventos.
Quando as equipes de resgate começaram a retornar, exaustos e sem sucesso, um dos pais, o rosto marcado pelo desespero, abordou-a. “Você mora aqui há muito tempo, não é? Viu alguém saindo?”, perguntou, a voz embargada.
Elara assentiu, os olhos fixos nos picos distantes. “Eu conheço essa montanha. Sei onde eles provavelmente estão. A trilha que eles pegaram é perigosa, especialmente se o tempo mudar.”
Houve um momento de silêncio, uma hesitação calculada. “A gente já tentou o caminho principal. Você… você acha que há outra forma?” A pergunta continha a esperança crua de quem já esgotara as opções, mas também um resquício de dúvida.
Elara respirou fundo, o cheiro de terra e mato invadindo seus pulmões. “Eu posso levá-los. Conheço um caminho que pouquíssimos conhecem. É mais rápido e mais seguro para quem sabe onde pisa.”
A resposta veio, carregada de um cansaço que parecia pesar mais que a montanha em si. “O comando já está formado. Já seguimos os procedimentos.” A voz do homem, outrora firme, agora soava resignada. “Agradecemos a sua disposição, senhora.”
Elara observou-o se afastar, o coração batendo um ritmo pesado e lento. A Cuesta, outrora sua aliada, agora parecia um segredo que ela não podia compartilhar, um conhecimento que a comunidade prefere ignorar em prol da ordem estabelecida. O eco do seu conhecimento permanecia, um murmúrio silencioso contra o rugido da inércia, enquanto o crepúsculo começava a tingir a paisagem de um azul profundo e melancólico. Restava-lhe apenas esperar, a esperança tênue de que o eco da sua voz, um dia, fosse ouvido antes que a montanha cobrasse seu preço.
Por: Elara Vance, a Arquivista do Crepúsculo

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