Uma floresta onde as árvores parecem observar e se mover.
UM OLHAR SILENCIOSO NA SERRA: AS ÁRVORES QUE VEEM O NOSSO FIM
**No coração da Mata Atlântica, onde o verde respira em ritmo ancestral, uma comunidade isolada vive sob o jugo de um mistério que se manifesta em cada folha, em cada tronco retorcido. Não é um conto de fadas, é a realidade para os moradores de Vila Esperança, um aglomerado de casas simples encravado em uma serra que, dizem, tem olhos. E esses olhos são as árvores.**
Por anos, os sussurros corriam soltos, tratados com descaso pelos poucos que ousavam sair do isolamento. Mas hoje, a terra geme com a voracidade da exploração, e o silêncio das matas parece ter se transformado em um lamento palpável. Vila Esperança, que já foi um refúgio, agora se sente encurralada por um segredo que a própria natureza parece querer revelar.
Dona Fátima, 72 anos, sentada na varanda de sua casa modesta, a pele curtida pelo sol e a esperança esmaecida nos olhos, balança a cabeça lentamente. “É como se elas soubessem de tudo”, diz, a voz embargada. “A gente olha pra elas e elas parecem olhar de volta. Um olhar profundo, antigo. Quando a máquina chega pra derrubar, elas balançam, mesmo sem vento. Os galhos se retorcem, é um aviso.”
O “aviso” a que Dona Fátima se refere é a sensação crescente de que as árvores centenárias da serra que circunda a vila não são meras espectadoras. Os mais velhos contam histórias de seus avós, que juravam ter visto troncos se deslocando sutilmente para obstruir caminhos de invasores, ou sentir uma energia pesada, quase opressora, emanando da mata em dias de ameaça.
João da Silva, 35 anos, com a terra nas mãos e a força de quem trabalha desde cedo, é cético, mas não ignora a inquietação. “Meu avô me contava que, quando criança, viu uma árvore mudar de lugar durante uma tempestade forte. Achei que era coisa de velho”, ele confessa, enquanto ajeita a cerca de madeira que protege sua pequena roça. “Mas agora, com esse pessoal da madeireira querendo entrar na mata lá em cima, a gente sente. É um ar pesado, um barulho diferente no vento. As folhas tremem em bando, mesmo quando o dia tá calmo.”
O contexto social de Vila Esperança é de vulnerabilidade. Sem acesso a serviços básicos, a comunidade sobrevive da agricultura de subsistência e da coleta de produtos da floresta. A chegada de empreendedores que prometem “desenvolvimento” com a exploração madeireira e a abertura de estradas para o escoamento de recursos naturais é vista por alguns como a única chance de sair da pobreza. Mas para muitos, como Dona Fátima, é a sentença de morte de um modo de vida e de um ecossistema que guarda segredos milenares.
Maria Eduarda, a jovem professora da pequena escola da vila, tenta registrar as memórias. “É fundamental que a gente documente essas histórias, esses sentimentos. Elas são parte da nossa identidade, da nossa relação com esse lugar”, explica ela, rodeada por desenhos de crianças que retratam árvores com rostos e olhos imensos. “Os mais novos estão começando a ter medo, a respeitar mais. Eles sentem essa energia. É uma educação pela experiência, pela observação direta da natureza.”
A sensação de que as árvores observam se intensifica à medida que as primeiras máquinas começam a rasgar a vegetação nas bordas da mata. Os moradores relatam uma mudança na atmosfera: o canto dos pássaros parece diminuir, o silêncio se torna mais denso, e a sensação de ser vigiado se torna constante. Há quem jure ter visto, em noites de lua cheia, vultos se movendo entre os troncos, ou ouvido gemidos baixos que parecem vir das profundezas da terra.
“Não é só o que eu vejo”, insiste Seu Antônio, um colecionador de histórias locais, com um sorriso enigmático no rosto. “É o que a gente sente na alma. Essa floresta é viva, pulsa. E ela está nos dizendo alguma coisa. Talvez esteja nos mostrando que estamos invadindo um espaço que não nos pertence, que estamos tirando mais do que a terra pode nos dar. E quando um ser vivo grita de dor, ele reage.”
A Vila Esperança se encontra no limiar de uma decisão que pode definir seu futuro e o destino da serra. De um lado, a promessa de um progresso efêmero, de outro, um respeito ancestral por um mistério que desafia a lógica. As árvores, mudas mas eloquentes, parecem aguardar a resposta da humanidade.
Mas a pergunta que ecoa nos corações dos moradores, e que agora chega até você, é: o que acontece quando o olhar silencioso da natureza se transforma em um rugido? E o que estamos fazendo para ouvir esse grito antes que seja tarde demais?
Por: Felipe Bastos Guimarães

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