Uma figura observando da janela, que desaparece ao ser vista.
A Janela do Quinto Andar
O cheiro forte do café, misturado à maresia que subia da Praia de Copacabana, era o despertador particular de Dona Clarice. Sexta-feira, 7:05 da manhã. O sol ainda se espreguiçava tímido entre os arranha-céus cinzentos, pintando o céu de um laranja suave. Ela já estava em pé, em seu ritual matinal de se servir uma xícara fumegante e ir para a janela, para a observação silenciosa do mundo que despertava.
Desde que ficara viúva, há sete anos, a janela do quinto andar se tornara seu palco principal. De lá, via a rotina dos vizinhos do prédio em frente – o senhor da padaria, que abria a porta pontualmente às 6:30; a moça do terceiro, sempre apressada, com o rabo de cavalo balançando; o casal jovem que, às vezes, se beijava na sacada antes de sair para o trabalho. Eram figuras conhecidas, personagens de um folhetim diário cujos roteiros ela imaginava em sua mente.
Mas, há algumas semanas, um novo elemento havia entrado em cena. Um vulto. No quinto andar do prédio vizinho, em uma das janelas que davam para a mesma rua, uma figura estática começara a aparecer. Era difícil distinguir traços, apenas um contorno, uma silhueta que permanecia imóvel, como se estivesse em contemplação, ou talvez em espera.
Dona Clarice sentia uma estranha afinidade com essa figura. Parecia alguém que também guardava um silêncio pesado, alguém que, como ela, encontrava no ato de observar um refúgio. Tentava decifrar quem seria. Um artista? Um sonhador? Alguém solitário, como ela?
Naquela sexta-feira, a figura estava lá novamente. Clara, quase indistinguível contra a luz que começava a clarear. Dona Clarice levantou a xícara para dar um gole, o vapor quente envolvendo seu rosto, e seus olhos se fixaram na janela vizinha. No instante em que seus olhares se cruzaram, ou pelo menos ela sentiu que se cruzaram, a figura… recuou. Não foi um movimento brusco, mas um desvanecer sutil, como se as sombras tivessem sido engolidas pela própria luz da manhã. Em um piscar de olhos, a janela estava vazia.
Um arrepio percorreu a espinha de Dona Clarice. Ela apertou a xícara nas mãos, o calor confortante se misturando a uma apreensão fria. Era a primeira vez que acontecia. Sempre que ela vislumbrava a figura, ela permanecia lá, impassível. Agora, a sensação era de ter sido descoberta, e a resposta fora um sumiço instantâneo.
Nos dias seguintes, Dona Clarice intensificou sua vigília. Olhava para a janela vizinha com uma avidez quase febril. Via a moça do terceiro, o senhor da padaria, o casal jovem. Mas a figura do quinto andar não reaparecia. A janela permanecia como qualquer outra, apenas um quadrado de vidro refletindo o céu.
A ausência da figura começou a pesar mais do que sua presença. Dona Clarice sentia falta daquele mistério, daquela companhia silenciosa. Sua rotina na janela, antes um refúgio, agora se tornava um questionamento. O que ela tinha visto? Uma miragem? Uma projeção de sua própria solidão? Ou algo mais?
Num domingo chuvoso, Dona Clarice decidiu que precisava saber. Desceu do seu apartamento, pegou o elevador para o térreo e atravessou a rua. A chuva caía fina, molhando as folhas das palmeiras e o asfalto. Respirou fundo o ar úmido e subiu os degraus do prédio vizinho.
A portaria estava vazia. Um interfone antigo chiava baixo no canto. Ela hesitou por um momento, o coração batendo descompassado. O que diria se alguém aparecesse? “Estava apenas observando a janela do quinto andar”? Seria um disparate.
Então, com uma decisão repentina, dirigiu-se ao elevador. Apertou o botão do quinto andar. O aparelho gemeu e começou a subir, cada andar uma eternidade. Ao chegar ao destino, o corredor era escuro e silencioso, com cheiro de mofo e de passado. Procurou o número do apartamento que ficava em frente ao seu.
Hesitou por um instante. O que a impelia a ir adiante? A necessidade de desvendar um enigma? Ou a esperança de encontrar um elo, uma conexão real, em meio a tantas vidas que apenas passavam pela sua janela?
Respirou fundo mais uma vez. O som da chuva batendo nas vidraças distantes era o único ruído. Estendeu a mão para a maçaneta fria. Um leve toque, e a porta se abriu.
Por: Catarina de Assis Mendonça

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