Uma escritora que compartilha histórias inspiradoras, sendo ignorada pela indústria editorial.

Uma escritora que compartilha histórias inspiradoras, sendo ignorada pela indústria editorial.

A poeira dançava nos raios oblíquos de sol que invadiam o quarto-estúdio de Helena. Cheirava a café amanhecido e a papel velho, um aroma reconfortante que só ela parecia apreciar. Na mesa de madeira gasta, pilhas de manuscritos se empilhavam como testemunhas silenciosas de seus sonhos. Histórias de gente comum, de alegrias miúdas e dores profundas, narradas com a delicadeza de quem sabe que a vida, em sua essência, é um rascunho em constante aprimoramento.

Helena escrevia sobre Dona Maria, a feirante que vendia laranjas com um sorriso capaz de desarmar o pior dos dias. Sobre seu João, o pedreiro que, em cada tijolo assentado, construía um pedaço do futuro para a filha estudante. Sobre o amor que florescia timidamente entre o porteiro do prédio e a vizinha do terceiro andar, com olhares trocados na escada e bilhetes deixados na caixa de correio. Eram contos tecidos com a linha invisível da empatia, com a verdade crua do cotidiano brasileiro, onde a esperança se agarra a pequenos gestos e a resiliência é um sobrenome comum.

Enviava seus textos para editoras, pequenas e grandes, com a fé renovada a cada envelope lacrado. A resposta, quando vinha, era invariavelmente a mesma: um e-mail polido, genérico, falando de linhas editoriais, do mercado saturado, da dificuldade em encontrar nichos. Palavras que soavam como muros, frios e intransponíveis. Por vezes, um retorno mais detalhado, quase pedindo desculpas, sugerindo que suas histórias eram “muito poéticas”, “pouco comerciais”, “sem aquele apelo rápido que o público busca”.

Um dia, sentada na varanda do pequeno apartamento no Bixiga, ouvindo o burburinho da rua, o aroma de pizza recém-assada misturando-se ao do jazmim em flor, Helena observava um grupo de crianças jogando bola na calçada. Seus gritos de alegria eram um contraponto à melancolia que teimava em se instalar em seu peito. Tinha o coração doendo de tanto amor contido, de tantas vidas que clamavam por ser ouvidas.

Lembrou-se de um conto sobre o menino Lucas, que transformava pedrinhas em estrelas para acalentar os medos da irmã mais nova. Escrevera com tanta paixão, com a certeza de que aquele gesto de ternura pura tocaria alguém. Mas a indústria editorial parecia alheia a essa poesia singela.

Naquele entardecer dourado, com o céu pintado em tons de laranja e violeta, Helena pegou o caderno e a caneta. Em vez de começar uma nova história para o mundo editorial, ela começou a escrever para si mesma. Para Dona Maria, para seu João, para o porteiro apaixonado. Escreveu para o menino Lucas e sua irmã. Escreveu para cada alma que cruzava seu caminho e deixava uma marca, um ensinamento.

Não sabia se um dia seus contos veriam a luz do dia em livros impressos, expostos em vitrines. Mas ali, naquele momento, com a caneta deslizando pelo papel, sentiu a mais pura forma de publicação. Era a sua voz encontrando seu eco, em um silêncio que era, na verdade, uma profunda escuta. A porta para as grandes editoras podia estar fechada, mas outra, infinitamente mais vasta, se abria em seu próprio peito. E as histórias, elas continuavam vivas, pulsando, esperando o próximo olhar atento.


Por: Beatriz Almeida Vianna

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