Uma costureira que faz uniformes para trabalhadores, sendo ignorada em suas próprias necessidades.
**O Ponto Cego da Moda: A Mulher Que Tecendo Uniformes, Esquece o Próprio Fio**
**Por [Seu Nome Fictício], Repórter Investigativo**
O zumbido constante da máquina de costura é a trilha sonora da vida de Dona Maria. Em seu pequeno ateliê, que mais parece um quartinho de despejo transformado em santuário de linhas e tecidos, ela dá vida a uniformes. São peças que vestem entregadores de aplicativos, enfermeiras de hospitais públicos, pedreiros em obras que erguem os arranha-céus da cidade e faxineiras que tornam os escritórios brilhantes. Roupas feitas para o suor, o esforço e a invisibilidade.
“A gente faz pra todo mundo, né?”, diz Dona Maria, com um sorriso cansado que mal alcança os olhos fundos. Ela aponta para uma pilha de camisas azuis-marinho, idênticas, destinadas a uma cooperativa de motoristas. “Esses aqui, que vão sentir o calor na estrada, a chuva na chuva. A gente pensa no conforto deles, na resistência do pano.”
O detalhe é que a resistência do pano, o caimento da costura, a durabilidade dos botões – tudo é pensado para o outro. Para Dona Maria, os uniformes que ela confecciona são, ironicamente, o reflexo do desleixo com suas próprias necessidades.
Seu dia começa antes do sol nascer. Um café amargo, pão com manteiga e, em seguida, a corrida até a máquina de costura. Há sempre uma encomenda urgente, um prazo apertado. O almoço, quando há, é rápido, muitas vezes na mesma mesa onde a linha se enrosca e o retalho se acumula. “Ah, meu vestido? Ah, esse tá aí no cabide faz tempo. Sem tempo pra arrumar.”
Aos 58 anos, Dona Maria acumula mais rugas de preocupação do que de riso. Sua vista já não é a mesma, e a lombar protesta com frequência, mas o aluguel da casa, as contas de luz e água, e a necessidade de manter o sustento da casa que divide com uma neta em idade escolar falam mais alto. A máquina de costura, um presente de um filho que partiu cedo, é sua companheira fiel, mas também sua algema.
“Eu vejo as moças que trabalham no shopping, com aqueles uniformes bonitos, modernos. E eu penso: quem é que fez isso? Alguém fez, né?”, reflete ela, enquanto ajusta uma etiqueta em uma calça jeans grossa. “Mas ninguém pensa na gente que faz.”
A história de Dona Maria não é um caso isolado. Em vielas apertadas, em fundos de quintal transformados em oficinas, milhares de costureiras brasileiras tecem a malha da economia informal, produzindo para grandes marcas, para pequenos comerciantes, para as corporações que ditam tendências e moldam o mercado de trabalho. Elas são o fio invisível que mantém a trama da moda e da produção em funcionamento.
“É o que dá pra fazer”, justifica Seu João, um vizinho que trabalha como marceneiro e, ocasionalmente, a ajuda com reparos em seu pequeno espaço. “Se ela parar pra cuidar dela, quem vai botar comida na mesa? A gente é assim, vai levando.”
Mas o “vai levando” tem um custo alto. Na prateleira mais alta de seu ateliê, escondido sob alguns panos, repousa um tecido florido, um sonho de vestido que ela comprou há anos. As medidas foram tiradas, o molde foi rabiscado, mas a peça nunca viu a luz do dia, nem os ombros de Dona Maria. Falta tempo. Falta energia. Falta o reconhecimento de que quem veste tantos corações anônimos também merece ser visto, cuidado, e ter seu próprio fio.
E enquanto as máquinas continuam a zumbir, tecendo o futuro de outros, o presente de Dona Maria se esvai em pontos e mais pontos, em um ciclo de produção que a consome, deixando-a à margem de sua própria criação.
**A pergunta que fica, enquanto as linhas se emaranham em sua vida, é: quantos fios da dignidade humana estão sendo ignorados no ritmo frenético da produção, e como podemos, como sociedade, garantir que quem tece o nosso dia a dia também tenha seu próprio tecido de bem-estar?**
Por: Silas Thorne, o Cronista do Insólito

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