Uma bibliotecária encontra um tomo antigo que revela a existência de um pacto entre alienígenas e bruxos.

Uma bibliotecária encontra um tomo antigo que revela a existência de um pacto entre alienígenas e bruxos.

**O Livro das Estrelas e das Ervas**

O cheiro a papel velho e pó de giz era o perfume familiar de Joana. As estantes de madeira escura da Biblioteca Municipal de Olinda, onde ela trabalhava há vinte anos, eram seu refúgio, seu universo. Ali, entre lombadas gastas e páginas amareladas, ela viajava sem sair do lugar, descobrindo mundos e vidas que só existiam na tinta.

Naquela tarde cinzenta, a chuva fina tamborilava no telhado colonial, e a luz fraca do sol que ousava romper as nuvens pintava raios fantasmagóricos no interior da biblioteca. Joana reorganizava a seção de obras raras, um canto que poucos se aventuravam a explorar. Foi quando, escondido atrás de uma fileira de livros de história local, seus dedos tocaram um volume diferente. Não era de couro, nem de tecido. Era algo mais áspero, mais frio, com uma textura que lembrava casca de árvore polida, mas com um brilho sutil e iridescente.

O tomo era pesado, desproporcionalmente denso para o seu tamanho. A capa, sem título visível, exibia um intrincado entalhe, formas geométricas que pareciam se mover sob a luz. Ao abri-lo, um aroma estranho, adocicado e metálico, pairou no ar. As páginas eram finíssimas, quase translúcidas, e a escrita… ah, a escrita. Não eram letras que ela reconhecesse. Eram símbolos estranhos, luminosos, que pareciam pulsar com uma luz interior. Mas, para sua surpresa, ao tocar um dos símbolos, as palavras surgiam em sua mente, claras e nítidas, em português arcaico.

“Pacto das Sementes Estelares”, a primeira frase que se formou em sua consciência. Lentamente, com o coração acelerado e uma onda de arrepios percorrendo sua espinha, Joana começou a decifrar a narrativa. Era a história de um acordo milenar, celebrado entre seres de outras constelações – os *Aethel* – e um grupo de mulheres que, na Península Ibérica, séculos antes da chegada dos portugueses ao Brasil, dominavam as artes da cura e do conhecimento oculto, as primeiras bruxas.

Os *Aethel*, segundo o tomo, possuíam a capacidade de manipular a própria essência da vida, de moldar a matéria em níveis inimagináveis. As bruxas, por sua vez, conheciam os segredos da terra, os ciclos da natureza, o poder das ervas e dos encantamentos. O pacto era simples, mas profundo: os *Aethel* ofereciam a elas o conhecimento sobre a vida em sua forma mais pura, sobre a energia que animava as estrelas e as plantas, e em troca, as bruxas se comprometiam a proteger um segredo. Um segredo que envolvia a semente de uma estrela, plantada em solo fértil na Terra, e que, se germinasse sem controle, poderia desequilibrar o cosmos.

As páginas seguintes detalhavam rituais, mapas celestes com traços que Joana nunca tinha visto em nenhum atlas, e descrições de encontros sob a luz de luas que não pertenciam a este céu. Havia referências a lugares secretos, escondidos em regiões remotas, onde o véu entre os mundos era mais fino. E então, um nome: “Olinda”. O nome de sua cidade.

O corpo de Joana tremia. Aquilo não podia ser real. Era apenas uma fantasia, um conto elaborado. Mas o cheiro, a textura do livro, a sensação das palavras ecoando em sua mente… tudo era visceralmente presente. Ela pensou em Dona Maria, a antiga herborista do bairro, que vivia num casarão com um jardim exuberante, cujas chás curavam até as doenças mais teimosas. Lembrou-se de suas mãos enrugadas, dos olhos penetrantes que pareciam ver além do visível. Dona Maria se fora há alguns anos, mas sua neta, Clara, continuava a manter a tradição, ainda que de forma mais discreta, com sua pequena loja de produtos naturais e chás artesanais no centro histórico. Clara, que tinha um conhecimento impressionante sobre plantas, e um olhar que, por vezes, parecia carregar a profundidade de um céu estrelado.

Joana olhou para o relógio. A biblioteca estava quase vazia, restando apenas alguns estudantes mergulhados em seus livros. A chuva lá fora diminuíra, e um fio de sol tímido alcançava a janela, iluminando as partículas de poeira que dançavam no ar. Ela sentiu um puxão, uma necessidade irresistível de encontrar Clara.

Guardou o tomo com cuidado na bolsa, sentindo seu peso estranho contra seu corpo. Ao sair para a rua, o ar úmido e o cheiro de maresia a envolveram, contrastando com a atmosfera fechada da biblioteca. A cidade antiga, com suas ladeiras de paralelepípedos e casarões coloridos, parecia carregar segredos em suas pedras. Ao se aproximar da loja de Clara, uma pequena construção branca com janelas de madeira pintadas de azul, ela pôde sentir o aroma inebriante de ervas secas misturado a algo mais sutil, um perfume que Joana não conseguia identificar, mas que lhe era estranhamente familiar.

Clara estava arrumando um pequeno expositor de cristais quando Joana entrou. Seus olhos verdes, quando se ergueram, encontraram os de Joana com uma intensidade que a fez vacilar. Não havia surpresa ali, apenas uma compreensão silenciosa.

“Você encontrou”, disse Clara, com a voz suave, mas firme.

Joana mal conseguia articular as palavras. “Eu… eu achei um livro. Antigo. Fala de… de alienígenas. E de bruxas.”

Clara sorriu, um sorriso melancólico. “A linhagem é antiga, Joana. E o pacto, um fardo que algumas de nós carregam. O livro que você achou é uma chave. Mas é apenas o começo.”

Ela apontou para uma pequena planta em vaso sobre o balcão. Era uma erva de folhas escuras e brilhantes, com flores minúsculas, de um azul que parecia capturar a luz das estrelas. “Esta é uma Semente Estelar. A luz dela é um chamado. E a proteção, uma responsabilidade.”

Joana olhou para a planta, depois para Clara, depois para a bolsa onde o tomo repousava. O que ela, uma simples bibliotecária, faria com um segredo tão antigo e perigoso? A vida em Olinda, com seus ritmos tranquilos e suas histórias de séculos, agora se expandia para um universo que ela nunca imaginou. A chuva fina voltara a cair, lavando as ruas e as pedras antigas, e Joana sentiu que o mundo, sob aquela garoa, estava prestes a mudar de forma irrevogável. O que fazer agora? Proteger o segredo? Revelar? A pergunta ecoava em sua mente, tão antiga quanto o pacto que ela acabara de desenterrar.


Por: Catarina de Assis Mendonça

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