Um viajante do tempo que encontra seu futuro eu apavorado.
O Eco do Amanhã
A poeira fina, levantada pelo ventilador de teto que lutava bravamente contra o abafamento da tarde carioca, dançava em feixes de sol que invadiam a sala de estar. O cheiro familiar de café coado e a fragrância adocicada do jasmim que descia pela sacada criavam uma aura de conforto, um porto seguro para Elias. Ele era um homem de rotinas, de prazeres simples e de uma vida previsível, o que, para ele, era sinônimo de paz. Aos quarenta e poucos anos, a calvície incipiente e as rugas ao redor dos olhos denunciavam o tempo vivido, mas não a amargura. Ele olhava para as próprias mãos, ásperas do trabalho no pequeno ateliê de marcenaria que mantinha no quintal, e sentia uma gratidão profunda por cada marca.
Foi então que o ar na sala pareceu distorcer. Não houve estrondo, nem luzes piscantes. Apenas uma ondulação sutil, como a que se forma na superfície de um lago ao ser tocada por uma pedra. Elias sentiu um arrepio que nada tinha a ver com a brisa morna. Do centro da distorção emergiu, hesitante, uma figura.
A figura era ele. Ou, melhor dizendo, um Elias mais velho, muito mais velho. A pele esticada sobre os ossos, os cabelos completamente brancos e ralos, e o olhar… ah, o olhar era o que prendia. Não havia a paz que Elias conhecia, mas um terror antigo, um medo que parecia ter se alojado em cada célula. As roupas, um conjunto amassado e cinzento, pareciam estranhamente fora de lugar no cenário familiar.
O Elias mais jovem, confuso e atônito, não conseguiu pronunciar uma palavra. O Elias futuro, no entanto, começou a tremer. Seus olhos, de um azul outrora vibrante, agora opacos e fundos, fixaram-se no Elias mais jovem. Um soluço seco escapou de seus lábios ressecados.
“Não… por favor, não…” a voz era um sussurro rouco, arranhado pela idade e pelo desespero. Ele estendeu uma mão trêmula, os dedos finos e nodosos apontando para o Elias mais jovem, como se temesse tocá-lo. “O que você… o que você fez?”
Elias sentiu um nó se formar na garganta. Que pergunta era essa? O que ele poderia ter feito para causar tal ruína? Seus dias eram preenchidos com a criação de peças de madeira, com o riso de sua esposa, Ana, que naquele exato momento estava na cozinha preparando o almoço, com os fins de semana no parque com seus cachorros.
“Eu… eu não entendo”, Elias conseguiu dizer, sua voz embargada.
O Elias futuro soltou um gemido, quase um rosnado de dor. “Você vai entender. Ah, você vai entender. E quando entender, será tarde demais. O tempo… é uma crueldade, meu jovem. Ele rouba tudo.” Ele olhou em volta da sala, para os livros empilhados, para as fotos de Ana sorrindo, para a velha sanfona encostada na parede. Uma lágrima grossa e solitária rolou por sua face marcada. “O que você ama… ele devora.”
Um pânico gelado começou a se espalhar pelo peito de Elias. A familiaridade do ambiente de repente se tornou hostil, prenhe de uma ameaça invisível. O cheiro do jasmim parecia sufocante. Ele olhou para suas mãos novamente, para a força que ainda possuíam, e uma pergunta cruel surgiu em sua mente: seria essa a matéria-prima do desespero futuro?
“O que aconteceu?”, Elias insistiu, a voz ganhando uma urgência que o assustou. “Me diga, por favor. O que eu fiz de errado?”
O Elias futuro fechou os olhos com força, como se cada palavra fosse uma facada. “Não é o que você fez de errado. É o que você deixou de fazer. As escolhas que não fez. O amor que não agarrou. O medo que te paralisou.” Ele abriu os olhos novamente, e o horror neles era tão palpável que Elias sentiu náuseas. “O silêncio… o silêncio é o pior inimigo.”
Ele deu um passo cambaleante para trás, voltando para a ondulação no ar que parecia chamá-lo de volta. Elias sentiu um impulso irracional de correr, de segurá-lo, de arrancar dele a resposta, o aviso, a salvação. Mas o medo, um medo ancestral que ele nunca soubera que possuía, o manteve pregado ao chão.
“Não seja eu”, o Elias futuro murmurou, sua voz desaparecendo enquanto a distorção se fechava, engolindo-o. “Por favor… não seja eu.”
E então, ele se foi. O ar voltou ao normal. O ventilador de teto continuou seu trabalho árduo. O cheiro de café e jasmim retornou, mas agora parecia carregado de uma melancolia insuportável. Elias ficou ali, paralisado, a imagem do seu futuro aterrorizado gravada a fogo em sua mente. Ele olhou para a porta da cozinha, onde o som suave de Ana preparando o almoço ecoava. O amor que ele sentia por ela, tão palpável antes, agora era tingido por uma sombra, uma pergunta silenciosa que se recusava a ir embora: o que ele deixaria de fazer? Que silêncios seriam seus maiores inimigos? A paz que ele tanto prezava, de repente, parecia uma fragilidade assustadora. E Elias, o homem de rotinas, sentiu um abismo se abrir sob seus pés, um abismo preenchido pela incerteza de um futuro que ele acabara de vislumbrar em seu mais puro terror.
Por: Elara Vance, a Arquivista do Crepúsculo

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