Um velho farol que atrai navios para um destino macabro.
O Farol dos Sussurros
O vento salgado chicoteava o rosto enrugado de Seu Ramiro, carregando o cheiro inconfundível de maresia, algas e uma sutil nota de melancolia. Há sessenta anos, ele era o guardião silencioso do Farol da Ponta Negra, um colosso de pedra e luz que se erguia solitário contra o azul implacável do Atlântico, ali, nos confins de uma pequena vila de pescadores esquecida no litoral nordestino. A luz, outrora um farol de esperança para os marujos, agora parecia… diferente. Mais fraca, como um lamento preso na garganta. E os navios, ah, os navios.
Não eram mais as embarcações robustas de outrora, buscando refúgio ou orientação. Eram barcos menores, de aparência precária, arrastados por uma corrente invisível na direção da Ponta Negra, mesmo quando o mar estava calmo e o céu límpido. Eram barcos de pesca artesanal, barcos de carga enferrujados, até mesmo iates solitários, todos com uma estranha reverência por aquele ponto específico da costa.
A vila, antes vibrante com o ir e vir dos barcos e as histórias de pesca, agora sussurrava. Sussurrava sobre o farol. “O Farol dos Sussurros”, chamavam-no. Diziam que a luz havia mudado, que as noites antes iluminadas por um brilho forte e constante, agora eram pontilhadas por lampejos erráticos, quase hipnóticos. Pescadores veteranos, como Seu Ramiro, sentiam uma angústia antiga borbulhar no peito. Havia boatos, sempre boatos, de naufrágios inexplicáveis, de embarcações que sumiam sem deixar rastro, engolidas pela neblina que parecia se adensar mais perto do farol.
A cada novo navio que se aproximava, uma apreensão gélida percorria a espinha de Dona Lúcia, a esposa de Seu Ramiro. Ela via os olhares dos homens da vila, a tensão em seus ombros, a preocupação nos olhos das mulheres. “Ramiro”, ela o chamava, a voz embargada pela saudade dos tempos em que a luz do farol significava segurança. “O que está acontecendo lá em cima?”
Seu Ramiro apenas balançava a cabeça, o olhar fixo na silhueta escura do farol contra o crepúsculo. Ele sentia. Sentia a carga pesada nos ombros, o peso de um segredo que se acumulava com os anos, com as noites em claro, com a solidão daquela torre de pedra. Lembrava-se das histórias contadas por seu avô, o antigo guardião. Histórias de tempos antigos, de pactos esquecidos, de uma promessa que o farol – ou quem o habitava – um dia teria de cumprir.
Um dia, um jovem pescador, o intrépido João, com a ingenuidade da juventude e a arrogância da coragem, decidiu desafiar os sussurros. Sua jangada, a “Estrela do Mar”, era sua vida. Ele viu um cargueiro abandonado, com suas luzes apagadas, deslizando lentamente em direção à Ponta Negra. A intuição gritava perigo, mas a curiosidade o impelia.
“Vou ver o que é, Seu Ramiro!”, gritou ele, erguendo a mão num gesto de confiança.
Seu Ramiro sentiu um arrepio percorrer o corpo. “João, meu filho! Deixe isso pra lá! O mar está com fome hoje.”
Mas João já estava longe, a vela inflada pelo vento, o olhar fixo no horizonte, onde o farol piscava com uma intensidade sinistra. A luz parecia puxá-lo, um imã irresistível. Ele se aproximou do cargueiro, um gigante adormecido, mas com um cheiro estranho pairando no ar, algo metálico e putrefato. A água ao redor parecia mais escura, mais densa. E então, a luz do farol se apagou de repente, mergulhando a região em uma escuridão absoluta. Um silêncio denso se instalou, quebrado apenas pelo som suave das ondas quebrando contra os cascos.
Dona Lúcia observava do alto da colina. Viu a jangada de João se perder na escuridão, viu o contorno fantasmal do cargueiro. E viu a luz do farol retornar, desta vez, um feixe contínuo, potente, direcionado não para o mar aberto, mas para a costa rochosa da Ponta Negra. Um som grave, como um suspiro profundo, emanou da torre.
Na manhã seguinte, a “Estrela do Mar” jazia destroçada entre as rochas da Ponta Negra. Não havia sinal de João. O cargueiro havia desaparecido. A vila se encheu de um luto silencioso e de um medo palpável.
Seu Ramiro, com os olhos marejados, subiu as escadas centenárias do farol. A sala da lâmpada estava fria, a poeira acumulada, mas a máquina, antiga e imponente, parecia vibrar com uma energia latente. No chão, perto da base da lente colossal, ele encontrou um pequeno objeto, algo que não pertencia ali. Era um medalhão antigo, gravado com símbolos estranhos que ele não reconhecia. Ao tocá-lo, sentiu uma onda de frio e uma lembrança fugaz, um vislumbre de um rosto pálido e faminto, emergindo das profundezas.
O farol continuava a piscar, mas agora a luz era mais branda, quase um convite. Outro navio, uma traineira de pesca com as cores desbotadas, começava sua deriva inevitável em direção à Ponta Negra. Dona Lúcia olhava pela janela, a mão cobrindo a boca em um grito mudo.
Seu Ramiro sabia que não havia mais como lutar contra a correnteza. O farol não era apenas um guia. Era um altar. E a luz, um chamado. Ele olhou para o medalhão em sua mão, para a escuridão que se adensava no horizonte. O mar estava, de fato, com fome. E o Farol dos Sussurros estava cumprindo seu antigo propósito. O que ele era, e para onde levava, permanecia um mistério que o próprio vento salgado se recusava a revelar.
Por: Marina Rocha Antunes

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