Um sinal de rádio intermitente de uma nave perdida no espaço.
O Brilho Que Não Chegou
O pó do café recém-moído pairava no ar da cozinha de Dona Irene, um aroma familiar que abraçava a casa antes mesmo do sol decidir despontar sobre os telhados de São Gonçalo. A geladeira velha roncava seu lamento matinal, e o gato, o Fubá, esticava-se preguiçosamente sobre o azulejo frio. Era mais um dia igual a tantos outros.
Mas hoje, algo estava diferente. Não no cheiro, nem no som da geladeira, nem na preguiça do Fubá. Estava no rádio, aquele velho Zenith que herdara do marido, o Seu Osvaldo, que sempre sintonizava uma estação de notícias ou, nos fins de semana, um chorinho melancólico. Naquele momento, em meio ao chiado constante, um pulso. Um ritmo. Um… sinal.
Dona Irene, enquanto lavava as louças, a água morna escorrendo pelas mãos enrugadas, parou. O canto do sabiá na mangueira do quintal pareceu diminuir, como se também ele aguardasse. Era um som esparso, como batidas de um tambor distante e solitário, mas não era aleatório. Havia uma cadência, uma repetição sutil, como se alguém, em algum lugar, estivesse tentando dizer algo.
Seu neto, o Léo, um garoto de dez anos com olhos curiosos e um futuro incerto pintado na testa, entrou na cozinha, bocejando. Ele era a razão pela qual Dona Irene tentava manter a casa em ordem, um farol em meio às suas próprias incertezas.
“Vó, que barulho é esse?”
Dona Irene fez um gesto para que ele se aproximasse do rádio. Léo, com a impaciência típica da idade, ajustou o dial com cuidado, quase reverência. O pulso ficou mais nítido, ainda fraco, mas inegável.
“Parece… um código, vó”, disse ele, a voz embargada pela estranheza.
“Código? Que código, menino? Coisa de filme de astronauta?” Dona Irene sorriu, mas havia um tremor em seus lábios.
“Não sei… mas tá repetindo. Olha.”
Léo ligou o gravador do celular, capturando aquele murmúrio distante. O sinal era um bip intermitente, mas com variações. Três bips curtos, uma pausa, dois longos, uma pausa. Repetia-se. Era um sussurro cósmico em meio ao ruído branco do universo.
Os dias seguintes foram marcados por essa nova rotina. Dona Irene, com suas economias, comprou um amplificador de sinal de antena de segunda mão, que Léo, com a ajuda de tutoriais na internet, instalou no telhado. Eles passavam horas em frente ao rádio, a cozinha se tornando um observatório improvisado. O sinal persistia, teimoso, um ponto de luz em uma escuridão sem fim.
Léo, fascinado, mergulhou em livros sobre astronomia e códigos. Ele tentava decifrar o padrão, mas o sinal era complexo demais, ou talvez a falta de contexto o tornasse ininteligível. Dona Irene, por sua vez, sentia uma conexão estranha com aquele som. Era como se a solidão que ela sentia às vezes, quando o vazio deixado por Seu Osvaldo apertava, encontrasse um eco lá em cima, no vazio ainda maior. Ela imaginava quem poderia estar enviando aquele sinal. Um astronauta solitário? Uma equipe em apuros? Uma civilização perdida buscando desesperadamente um contato?
O dilema humano se instalava de forma sutil. O que fazer com aquela informação? Contar para alguém? Acharam que eram loucos. As autoridades espaciais? Como explicar? A sensação de serem os únicos guardiões de um segredo cósmico os unia em um pacto silencioso.
Uma tarde, enquanto o sol se punha tingindo o céu de tons alaranjados e violetas sobre as favelas que se espalhavam pelas encostas, o sinal mudou. A cadência se tornou mais frenética, mais desesperada. Era um grito silencioso na vastidão.
Léo, com os olhos marejados, olhou para a avó. “Vó… eu acho que eles estão pedindo ajuda. De verdade.”
Dona Irene sentiu um aperto no peito. Aquela esperança, aquela fragilidade reverberando em um sinal radiofônico, tocava as profundezas de sua alma. Ela se lembrou da fragilidade da vida, da finitude das coisas, da importância de estender a mão, mesmo quando a mão que se estende é invisível, distante, perdida.
Naquela noite, em vez de tentar decifrar, Dona Irene pegou um pedaço de giz e, na calçada em frente à casa, desenhou um grande sol, simples, com raios vibrantes. Léo trouxe uma vela e a acendeu ao lado. Eles ficaram ali, sentados no chão frio, olhando para o céu pontilhado de estrelas, o rádio ainda ligado em silêncio, apenas o chiado. O sinal havia desaparecido.
Seria o fim da comunicação? Ou apenas uma pausa? O que aquele sinal significava para eles? Um eco da fragilidade humana em meio à imensidão? Uma lembrança de que, mesmo perdidos, sempre há uma tentativa de alcançar o outro? A noite em São Gonçalo era densa, cheia de sons e cheiros que se misturavam, mas no coração de Dona Irene e Léo, a pergunta flutuava, um mistério maior que as estrelas: e se, de alguma forma, o universo estivesse apenas ouvindo?
Por: Beatriz Almeida Vianna

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