Um parque de diversões abandonado que ganha vida à noite.
O FANTASMA DA ALEGRIA: A NOITE EM QUE O PARQUE MORTAL GANHA VIDA
O portão enferrujado geme como um grito silencioso sob o peso de décadas de esquecimento. De dia, o “Reino da Fantasia”, em alguma cidade esquecida do interior, é um espetáculo desolador. Carrosséis paralisados, montanha-russa carcomida pela ferrugem, a roda gigante imóvel contra o céu, seus assentos vazios balançando ao sabor de um vento que parece carregar o eco de risadas perdidas. Um cemitério de alegria, dizem os mais antigos.
Mas a noite… a noite é outra história.
“A gente sabe que é loucura, mas tem que ver pra crer”, sussurra Dona Elvira, 72 anos, com os olhos brilhando de uma mistura de medo e fascínio. Ela mora em frente ao parque desde que ele era o point de todas as festas de aniversário, o lugar onde os namoros começavam e as famílias criavam memórias. Hoje, sua varanda é o camarote privilegiado do espetáculo noturno.
“Começa devagar, sabe? Um chiado no alto-falante que não liga mais, uma música de carrossel que parece vir do nada. A gente pensa que é o vento, o barulho da cidade. Mas não é.”
Dona Elvira conta que, nas noites de lua cheia, os bonecos de cera das atrações infantis parecem se mexer. Os olhos de vidro, antes sem vida, ganham um brilho fugaz. Um palhaço desdentado, que um dia fez a criançada gargalhar, agora inclina a cabeça num gesto quase imperceptível, como se estivesse contando um segredo para o esgoto a céu aberto que contorna o parque.
O jovem Mateus, 19 anos, tem um ponto de vista diferente, mas igualmente cativante. Ele é um dos muitos “desempregados de carteirinha” da cidade, daqueles que sonham com um futuro que não chegam. Em vez de se entregar ao tédio, ele e um grupo de amigos exploram os limites do “Reino da Fantasia” durante a madrugada.
“Não é que o parque ‘ganha vida’ como nos filmes de terror, sabe?”, explica Mateus, com um sorriso que não esconde a adrenalina. “É mais como… uma memória viva. A gente escuta os gritos de quem se divertia aqui, sente a energia das pessoas que passaram. É pesado, mas é real. Às vezes, a gente jura ter visto uma luzinha piscando na casa mal-assombrada, ou um carrinho de bate-bate dando uma leve sacudida.”
A história do “Reino da Fantasia” é um espelho da própria cidade. Construído nos anos dourados da industrialização local, com a promessa de desenvolvimento e diversão para a região, o parque faliu após uma série de escândalos de corrupção e má gestão. Os donos sumiram, os funcionários foram deixados à própria sorte, e o que restou foi o silêncio e a decadência.
“Era o orgulho da gente”, lamenta Seu Antônio, ex-operador da roda gigante, agora catador de recicláveis. “Ver aquilo ali parado, virando escombros… dói no peito. Mas à noite, quando ouço a música torta do carrossel… é como se ele ainda estivesse vivo, esperando a gente voltar a girar.”
A pergunta que paira no ar, no silêncio que engole o “Reino da Fantasia” ao amanhecer, é: o que acontece quando a escuridão se retira? Seriam apenas alucinações coletivas, reflexos de um passado glorioso em um presente de escassez? Ou haveria, de fato, uma força sutil, uma nostalgia tangível, que insufla vida nas ruínas de um lugar que um dia foi sinônimo de pura euforia? E se essa vida noturna for mais do que mera lembrança, para onde ela vai quando o sol nasce, e o que ela busca?
Por: Felipe Bastos Guimarães

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