Um observador de estrelas presencia uma abdução que parece ser orquestrada por espíritos cósmicos.
O Céu de Barro
João sempre foi um homem de poucas palavras e muitos horizontes. Morava nos confins de Pindorama, um lugarejo esquecido pelo tempo no interior de Minas Gerais, onde o pó da estrada se misturava ao cheiro de terra molhada após as chuvas raras. Sua paixão eram as estrelas. Não as celebridades, mas as bolas de fogo silenciosas que pontilhavam o breu infinito. Tinha um telescópio velho, herança do pai, que espiava o universo do quintal de sua casa humilde, cercado por bananeiras e galinhas cacarejando.
Era noite de lua nova, a escuridão propícia para o espetáculo celeste. João, enrolado em seu cobertor xadrez puído, observava a constelação de Órion, um velho amigo no firmamento. O ar estava fresco, com o aroma pungente de eucalipto das matas próximas. De repente, um brilho incomum chamou sua atenção. Não era um meteoro, nem um avião. Era uma luz pulsante, de um azul elétrico que parecia rasgar o próprio véu da noite. Ela desceu, lenta e majestosa, sobre um campo de milho abandonado, a poucos quilômetros de sua casa.
Seu coração disparou. Ceticismo lutava com uma curiosidade visceral. Pegou a lanterna de pilhas fracas e a chave da velha Rural, a poeira grudando nas mãos enquanto a ligava. O motor tossiu, engasgou, mas enfim pegou. A viagem pela estrada de terra esburacada era uma aventura por si só, os galhos arranhando a lataria do carro como unhas de gato assustado.
Ao chegar perto do local, o silêncio era quase palpável. A luz azul havia se apagado, mas uma névoa prateada pairava no ar, emitindo um zumbido baixo, vibratório, que parecia ressoar nos ossos. No centro do campo, algo se movia. Não era uma máquina, nem animais. Eram figuras esguias, translúcidas, que dançavam em sincronia na bruma luminosa. Seus movimentos eram fluidos, graciosos, como algas em correnteza invisível. João sentiu um arrepio subir pela espinha, não de medo, mas de uma reverência primal. Pareciam tecelãs cósmicas, entoando um cântico mudo que o envolvia.
Uma das figuras se aproximou. Não tinha rosto, apenas um contorno difuso, onde dois pontos de luz mais intensos brilhavam como olhos de cristal. João sentiu que ela o via, que o compreendia. Uma sensação avassaladora de paz o inundou, uma paz tão profunda que o fez esquecer o porquê de estar ali. Era como ser tocado pela eternidade.
Então, ele viu o que eles estavam fazendo. Um dos espíritos cósmicos estendeu um dos seus apêndices etéreos em direção ao céu escuro. E ali, no lugar onde um buraco negro parecia se formar, uma estrela, até então imperceptível, começou a brilhar com uma nova intensidade. Era como se estivessem acendendo um novo ponto de luz no infinito, um ato de criação delicado e poderoso.
João sentiu lágrimas escorrerem pelo rosto. Eram lágrimas de admiração, de assombro, de um entendimento que transcendia a lógica. Ele, o observador de estrelas do quintal de Pindorama, testemunhava um ritual cósmico, uma orquestração de vida e luz pelos seres que habitavam os recantos mais profundos do universo.
As figuras, tão repentinamente quanto surgiram, começaram a se desvanecer na névoa prateada, que também se dissipava com a primeira luz tímida do amanhecer. O zumbido cessou. O campo de milho voltou a ser apenas um campo de milho, salpicado de orvalho.
João permaneceu ali, imóvel, o sol acariciando seu rosto. A Rural tossiu novamente quando ele deu a partida. Ao voltar para casa, o cheiro de café recém-coado de Dona Lurdes, sua esposa, o trouxe de volta à Terra. Ela o olhou com preocupação.
“Onde você se meteu, João? As estrelas te chamaram de novo?”
João sorriu, um sorriso que continha a vastidão do universo. Ele olhou para o céu, agora tingido de rosa e laranja pelo nascer do sol.
“De certa forma, Lurdes”, respondeu, a voz embargada. “Elas me mostraram algo. Algo… novo.”
Ele sabia que não seria fácil explicar. A abdução não fora de um corpo, mas de uma percepção. Os espíritos cósmicos não o levaram, eles o trouxeram para um vislumbre de algo maior. E agora, cada estrela que ele via, cada grão de poeira cósmica, parecia sussurrar segredos de criação e renovação, um convite silencioso para continuar observando. E para, quem sabe, um dia, compreender.
Por: Marina Rocha Antunes

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