Um grupo de voluntários em um experimento que dá terrivelmente errado.

Um grupo de voluntários em um experimento que dá terrivelmente errado.

O Zumbido Constante

A poeira fina levantava com cada passo na trilha irregular que levava ao Centro de Pesquisa Comunitária. O sol de Pirapora castigava, mas o entusiasmo no grupo de voluntários era um contraponto refrescante. Havia Ana, a professora de história com um sorriso que parecia ter guardado segredos de gerações; João, o jovem mecânico que sempre tinha uma piada pronta e mãos calejadas; Maria, a costureira com o olhar atento e a pacincia de quem costura retalhos em uma colcha; e Pedro, o estudante de medicina, com a ansiedade juvenil de quem quer salvar o mundo. Eram 12 ao todo, escolhidos a dedo por sua resiliência e disposição para o “Projeto Aurora”, um experimento que prometia uma nova forma de lidar com a depressão, usando estímulos neurológicos personalizados.

A Dra. Elisa, com seus cabelos grisalhos presos em um coque severo e o jaleco impecável, era a cientista-chefe. Sua voz era calma, quase hipnótica, quando explicava os riscos mínimos e os potenciais benefícios revolucionários. “Vocês estão na vanguarda de um novo amanhã”, dizia ela, os olhos marejados de uma paixão contida.

Os dias iniciais foram marcados por cheiros de desinfetante e café forte. Os equipamentos, um emaranhado de fios coloridos e telas brilhantes, ocupavam o centro de uma sala ampla, com janelas voltadas para o cerrado seco e dourado. Cada voluntário passava horas na poltrona, o capacete pesado sobre a cabeça, sentindo os pulsos elétricos suaves percorrerem suas mentes. As conversas no refeitório giravam em torno de pequenas melhoras: Ana sentia-se mais leve para subir as ladeiras da cidade, João ria com mais facilidade, Maria encontrava inspiração para novos bordados. Pedro, ainda em treinamento, observava tudo com um misto de admiração e um leve desconforto.

O primeiro sinal de que algo estava errado foi sutil. Maria, que sempre escolheu padrões florais delicados, começou a desenhar espirais caóticas, em tons escuros e vibrantes. Seus olhos, antes serenos, adquiriram um brilho febril. “São as memórias que dançam”, murmurava ela, sem fazer sentido para ninguém. Ana, por outro lado, começou a falar em dialetos antigos, citações em latim que ninguém entendia, sua voz assumindo uma tonalidade imperiosa.

João foi o próximo. Sua risada, antes contagiante, transformou-se em um rosnado gutural, sem motivo aparente. Ele se tornava agressivo, desconfiado, seus olhos varrendo a sala como se procurasse um inimigo invisível. A tensão no centro de pesquisa era palpável, espessa como o calor do meio-dia. Os cientistas, outrora confiantes, agora sussurravam entre si, os rostos pálidos e marcados pela insônia. A Dra. Elisa, em particular, parecia envelhecer anos em poucos dias, seus cabelos perdendo o brilho, as linhas em seu rosto se aprofundando.

Pedro, o estudante, era o único que parecia manter um fio de lucidez. Ele passava horas observando os dados, a frieza dos gráficos contrastando com o caos humano que se desdobrava ao seu redor. O protocolo de segurança, que ele tanto admirava, parecia não prever essa reviravolta. A cada tentativa de ajustar os estímulos, a situação piorava. A comunicação entre os voluntários, antes tão rica em esperança, agora era um emaranhado de delírios e agressões.

Em uma noite abafada, sob um céu pontilhado de estrelas indiferentes, o experimento atingiu seu ápice terrível. A sala dos equipamentos transformou-se em um palco de desespero. Ana, em um frenesi profético, tentava escalar os cabos, gritando versos desconexos sobre o fim dos tempos. João, em um acesso de fúria irracional, quebrava os monitores com punhos cerrados, um rugido primal escapando de sua garganta. Maria, em um canto, bordava em seu próprio braço, as espirais escuras se misturando ao sangue que começava a brotar.

Pedro, com o coração disparado contra as costelas, sabia que precisava agir. Mas como? As portas de segurança estavam travadas. A Dra. Elisa estava encolhida em um canto, as mãos cobrindo o rosto em um gesto de impotência total. O zumbido constante dos equipamentos, antes um som de promessa, agora parecia o prenúncio de uma catástrofe irreversível. Ele olhou para o capacete de um dos voluntários que estava no chão, a tela do dispositivo piscando em vermelho. O que eles haviam liberado? Ou pior, o que eles haviam despertado? O cerrado lá fora parecia engolir o silêncio, aguardando. O amanhã, que prometia ser tão luminoso, havia se tornado uma noite sem fim. E Pedro, com a adrenalina correndo em suas veias, sabia que o verdadeiro experimento, o da sobrevivência e da compreensão, estava apenas começando.


Por: Marina Rocha Antunes

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