Um grupo de turistas se perde na mata e encontra um corpo, suas histórias viram manchetes chocantes.

Um grupo de turistas se perde na mata e encontra um corpo, suas histórias viram manchetes chocantes.

O Mistério do Riacho Seco

O sol, lá pelas três da tarde, já dava sinais de que queria se despedir, pintando o céu de Minas Gerais com tons de laranja e roxo que, em outro contexto, seriam de tirar o fôlego. Mas a beleza paisagística agora só servia para acentuar o pânico que tomava conta do grupo. Clara, a mais jovem, com seus vinte e poucos anos e a câmera pendurada no pescoço como uma âncora de desespero, já tinha fungado umas dez vezes. Ao seu lado, o professor Elias, um geógrafo com barba branca que prometia sabedoria e que, naquele momento, só transmitia uma apreensão silenciosa, apertava o mapa amassado nas mãos calejadas. Dona Lúcia, figura matriarcal do grupo, que tinha se oferecido para organizar a trilha “para os jovens aproveitarem a natureza como antigamente”, agora murmurava orações baixinho, os lábios finos e secos. Juntos, eles se aventuraram em uma cachoeira menos conhecida perto de Ouro Preto, guiados por um guia local que, umas duas horas atrás, prometera um atalho para um mirante espetacular. O atalho, no entanto, se transformou em um emaranhado de cipós e folhas caídas, onde o sinal do celular se esvaiu como fumaça.

O silêncio pesado da mata, antes convidativo, agora parecia zombá-los. O canto dos pássaros se transformou em um coro de presságio. Elias, tentando manter a calma, apontou para um curso d’água que mal pingava. “Se seguirmos o leito seco, talvez encontremos um riacho maior, ou algum sinal de civilização.” A ideia, embora remota, era a única esperança. Caminhavam em fila única, o ar denso e úmido grudando na pele, o cheiro de terra molhada e folhas em decomposição preenchendo as narinas. Foi Clara quem o viu primeiro. Um borrão escuro entre as samambaias, um contorno que não pertencia à natureza. Ela parou, ofegante, a câmera tremendo nas mãos.

“Gente…”, a voz saiu num sussurro rouco, mal audível. Elias se aproximou, com passos cautelosos. O que viram os deixou petrificados. Era um homem, deitado de lado, as roupas rasgadas e sujas de terra. A pele pálida sob o sol filtrado parecia cera, e um fio de sangue escuro manchava o solo ao redor de sua cabeça. Um facão jazia a poucos metros, a lâmina opaca e suja. A natureza, com sua força bruta e indiferença, abraçava o corpo como se fosse mais um galho caído.

O choque inicial deu lugar a um turbilhão de emoções. Medo, repulsa, uma estranha compaixão. Dona Lúcia recuou, o rosário apertado nos dedos. Elias, apesar do receio, agiu. Verificou o pulso, um gesto inútil. Era evidente. Morto. A situação, já desesperadora, ganhou um contorno sombrio e perturbador. Alguém havia feito aquilo. E eles, perdidos, eram as únicas testemunhas.

A descida de volta, encontrando um grupo de trabalhadores rurais que os levaram até a estrada principal, foi um borrão de descrições fragmentadas, de corpos que cambaleavam mais do que andavam. As primeiras notícias, dadas pela rádio do carro dos trabalhadores, eram vagas. “Turistas perdidos na serra”, “possível acidente”.

Mas quando chegaram à delegacia, a verdade, crua e chocante, desabrochou como uma flor venenosa. A descoberta do corpo, a arma encontrada nas proximidades, e a presença dos turistas perdidos se tornaram o centro das atenções. Os jornais locais, ávidos por manchetes, explodiram. “Corpo encontrado na mata: turistas envolvidos em mistério macabro.” “Tragédia em Ouro Preto: Aventura vira pesadelo com achado de cadáver.” Os rostos de Clara, Elias e Dona Lúcia, capturados pelas câmeras dos poucos repórteres que se aglomeravam na frente da delegacia, estamparam as edições seguintes. As histórias pessoais, a busca por um refúgio da rotina urbana, a saudade de um tempo mais simples, tudo isso foi eclipsado pela brutalidade do acontecimento.

Clara, que sempre sonhara em fotografar a beleza oculta do Brasil, agora se via estampada nas páginas como a “testemunha chocada”. Elias, que buscava na natureza um respiro para as angústias acadêmicas, era agora o “sábio professor que se deparou com a morte”. Dona Lúcia, que queria reviver memórias de infância, era a “senhora em pânico que encontrou o corpo”. Suas vidas, antes discretas e voltadas para dentro, foram subitamente expostas, fragmentadas, transformadas em um espetáculo para os outros.

A investigação avançou, mas a certeza da identidade do homem era difícil de obter. Um morador local, desaparecido há semanas, era o principal suspeito. A violência da cena, no entanto, sugeria mais do que um simples crime passional. Havia algo mais, um segredo enterrado na mata densa, que o corpo parecia ter levado consigo.

De volta às suas vidas, cada um carregava o peso do que viram. O som da mata, antes música, agora ecoava com a lembrança silenciosa do homem deitado na terra. O cheiro de terra molhada trazia não o frescor da natureza, mas a fragrância densa da morte. As manchetes, que eles tentavam esquecer, ainda assombravam seus pensamentos. O que mais existia naquela mata? Que segredos o corpo guardava? E o mais perturbador: eles, em sua busca por um momento de paz e beleza, haviam tropeçado em algo sombrio e, de alguma forma, se tornado parte dele. A mata, que prometia serenidade, se revelou um palco de tragédia, e o silêncio que restava era apenas o prelúdio de perguntas sem respostas definitivas.


Por: Marina Rocha Antunes

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