Um grupo de amigos encontra um livro de feitiços antigos que invoca espíritos sombrios.

Um grupo de amigos encontra um livro de feitiços antigos que invoca espíritos sombrios.

O Grito na Poeira

O cheiro era de mofo e poeira antiga, um perfume acre que parecia ter se impregnado nas paredes de madeira do sobrado de Dona Elvira. Léo, sempre o mais impulsivo, arrombou a porta do sótão sem cerimônia. Clara, com sua mochila pesada de livros e uma expressão de eterna apreensão, o seguiu, enquanto Bia, a mais cética do trio, resmungava sobre a precariedade da estrutura. Era o último dia de férias, o último fim de semana naquela cidadezinha pacata antes de voltarem para o turbilhão de São Paulo, e a promessa de explorar a casa abandonada de uma família esquecida era a despedida perfeita.

O sótão era um labirinto de objetos esquecidos: baús empoeirados, móveis cobertos por lençóis fantasmagóricos, e um silêncio denso que parecia engolir qualquer ruído. Foi Léo quem o encontrou, aninhado em uma caixa de madeira escura, entre cartas amareladas e um álbum de fotos desbotadas. Um livro grosso, com a capa de couro rachado e um fecho de metal enferrujado. As páginas, feitas de um papel grosso e irregular, eram manuscritas em uma caligrafia tortuosa e recheadas de desenhos estranhos e símbolos que não reconheceram.

“Que parada é essa?”, Léo, com o livro nas mãos, deu um sorriso maroto. “Parece um livro de feitiços.”

Bia revirou os olhos. “Léo, para com isso. É só um diário velho.”

Clara, porém, se aproximou, os olhos fixos nas ilustrações. Havia algo de hipnotizante naquelas linhas escuras. “Olha, tem uns nomes aqui… em latim, acho.” Ela apontou para um trecho escrito em letras grandes e vibrantes, como se tivessem sido riscadas com tinta fresca. “*Invoco os guardiões da sombra… que a escuridão se manifeste…*”

O vento, que antes apenas assobiava pelas frestas das telhas, ganhou força. As lâmpadas penduradas no teto, frágeis e empoeiradas, começaram a balançar com uma violência repentina, lançando sombras dançantes pelas paredes. Um arrepio percorreu a espinha de Clara.

“Chega, vamos descer”, disse ela, a voz trêmula.

Léo, no entanto, estava absorto. “Espera, Clara. Tem uma coisa aqui… tipo uma receita. Para chamar algo.” Ele riu, mas havia um tom de nervosismo em sua voz. “Será que funciona?”

Bia bufou. “Funciona o quê? Teu cérebro fritando com essas bobagens?”

Naquele momento, um estalo seco ecoou do fundo do sótão. Não era o som de madeira velha, mas algo mais pontiagudo, como um osso quebrando. As sombras se intensificaram, distorcendo os objetos em formas grotescas. Um odor adocicado e putrefato começou a se misturar ao mofo, um perfume nauseante que fez Clara sentir o estômago revirar.

“Léo, o que você fez?”, sussurrou Bia, o ceticismo dando lugar a um medo palpável.

Léo deixou o livro cair no chão. O som pesado ecoou no silêncio assustador. Seus olhos, antes divertidos, agora estavam arregalados. Ele não via nada, mas sentia. Sentia uma presença. Pesada. Faminta. Como se algo estivesse se desenrolando do nada, se formando na escuridão.

O ar ficou gélido. O som de sussurros começou, um murmúrio distante que parecia vir de dentro de suas próprias cabeças. Não eram palavras inteligíveis, mas um coro de desespero e raiva. Bia agarrou o braço de Clara, os dedos apertando com força.

“Temos que sair daqui. Agora!”, gritou Bia.

Eles correram. Tropeçando em caixas, desviando de teias de aranha que pareciam agarrar suas gargantas. A porta do sótão, que Léo havia arrombado com tanta facilidade, agora parecia se fechar com uma resistência invisível. Quando finalmente conseguiram abri-la e descer as escadas, ofegantes e com o coração disparado, o sol da tarde ainda banhava a rua de terra batida, parecendo alheio ao terror que haviam experimentado.

De volta ao silêncio relativo do sobrado, o cheiro de mofo e poeira ainda pairava, mas agora trazia consigo a lembrança daquele outro aroma, pútrido e adocicado. Léo não disse nada. Bia olhava para ele, os olhos marejados. Clara sentiu o corpo tremer, não de frio, mas de um terror que se instalava em sua alma.

Naquela noite, enquanto as luzes da cidade se acendiam, cada um deles fechou os olhos e viu as sombras que haviam dançado no sótão. E os sussurros… eles ainda estavam lá, um eco persistente na quietude de seus pensamentos. O livro de feitiços antigo, esquecido de volta em sua caixa, parecia ter deixado uma marca. Uma marca sombria, que pairava sobre a amizade deles, insinuando que algo, despertado na poeira de um sótão esquecido, agora os observava. E aguardava.


Por: João Pedro Silveira

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