Um detetive investiga uma série de desaparecimentos ligados a um culto secreto que invoca entidades infernais.

Um detetive investiga uma série de desaparecimentos ligados a um culto secreto que invoca entidades infernais.

O Silêncio que Grita no Asfalto: A Sombra do Culto Que Engole Almas em São Paulo

A garoa fina e persistente de São Paulo parecia lavar as ruas, mas para o Detetive Ricardo Almeida, o cheiro de podridão era inescapável. Não era o fedor de lixo apodrecendo nos becos, mas um odor abstrato, um presságio sufocante que pairava sobre os casos que o assombravam há meses: uma série de desaparecimentos, jovens e adultos, homens e mulheres, todos diluídos na vastidão cinzenta da metrópole. O fio condutor, inicialmente tênue como um fio de teia de aranha, levava a um nome sussurrado em becos escuros e salas de fuga: “A Sétima Porta”.

“Parecia brincadeira no início, sabe?”, desabafou Ricardo, esfregando os olhos cansados sob a luz fria de sua sala no DP da Lapa. Uma caneca de café amanhecido repousava ao lado de pilhas de relatórios. “O primeiro sumiu, um estudante universitário, corpo mole, de repente evaporou. A família, desolada, falou de depressão. O segundo, uma cozinheira de um boteco na Vila Madalena, também sem rastros. Mas aí veio o terceiro, a quarta… um padrão começou a se formar.”

O padrão, para Ricardo, era a falta dele. Nenhum sinal de luta, nenhum pedido de resgate. Apenas o vazio, o silêncio ensurdecedor deixado para trás. Ele vasculhou perfis em redes sociais, entrevistou amigos e familiares, mas as respostas eram sempre as mesmas: pessoas que se tornavam mais reclusas, falavam em “encontrar um propósito”, em “transcender”. E, sutilmente, a menção a encontros noturnos, a rituais, a um “mestre” que prometia conhecimento e poder.

Foi Dona Lurdes, a avó de um dos desaparecidos, a senhora de olhos marejados e mãos trêmulas que vendia pastéis na feira do Bixiga, quem trouxe a peça mais perturbadora. “Meu neto, seu Ricardo, ele falava de ‘invocar’, de abrir caminhos. Eu achava que era coisa de jogo, de internet, sabe? Mas ele trazia uns papéis velhos, cheios de rabiscos estranhos, umas figuras que me davam arrepio. Falava de um ‘Anjo Caído’ que trazia verdades para os corajosos.”

Esses “papéis velhos” agora eram a obsessão de Ricardo. Ele os analisava sob a luz forense, comparando símbolos com antigos grimórios que ele mesmo adquirira em sebos duvidosos, mais por curiosidade acadêmica do que por crença. As figuras eram grotescas, a linguagem arcaica, e a temática central, repetidamente, era a invocação de entidades que a igreja tradicional chamaria de “infernais”.

Ele conversou com um ex-membro, um homem chamado Jonas, que hoje vivia escondido em um sítio em Minas Gerais, com o corpo marcado por cicatrizes e o olhar assombrado. “Eles te pegam pela sua fraqueza, detetive”, disse Jonas, a voz rouca e trêmula. “Pela dor, pela solidão, pela sensação de não ser suficiente. Prometem que você vai ser alguém, que vai entender os segredos. Mas é uma troca. Uma troca com algo que não tem alma. Eles te alimentam com falsas promessas e te preparam para o sacrifício.”

“Sacrifício?”, Ricardo repetiu, o sangue gelando nas veias.

“Eles acreditam que essas entidades precisam de energia para se manifestar. Energia vital. E para eles, o sacrifício é a forma mais pura de oferenda. Quanto mais forte a conexão com o plano deles, mais eles pedem. E para os mais devotos, a porta se fecha para sempre. Eles se tornam… parte.”

Ricardo sentia o peso de cada palavra, a realidade brutal por trás da fachada sinistra do culto. Ele sabia que a polícia tradicional não daria crédito a histórias de “demônios” e “invocações”. Precisava de provas concretas, de evidências que pudessem ser apresentadas em um tribunal, não em um círculo de rituais.

O último desaparecimento era o de uma jovem artista plástica, Clara, conhecida por suas instalações provocativas e por sua busca incessante por novas formas de expressão. Seus amigos a descreveram como vibrante, mas também com uma melancolia profunda, uma sensação de estar deslocada no mundo. Na semana anterior ao seu sumiço, Clara havia postado em suas redes sociais uma imagem enigmática: um olho vermelho flamejante sobre um fundo negro, com a legenda: “A verdade aguarda além do véu. O preço é alto, mas a recompensa é eterna.”

Ricardo, com o coração apertado, decidiu seguir o rastro que ele tanto temia. Ele sabia que a Sétima Porta se reunia em um local remoto, em uma antiga propriedade abandonada na periferia de São Paulo, um lugar que a própria cidade parecia ter esquecido. A investigação o levava a um território onde a razão e a lógica davam lugar a um medo ancestral, onde a linha entre o real e o sobrenatural se tornava perigosamente tênue.

Enquanto a chuva continuava a cair, cada gota parecia um sussurro de advertência. Ricardo sabia que estava prestes a abrir uma porta que talvez nunca pudesse fechar. A pergunta que o atormentava não era apenas onde estavam os desaparecidos, mas o que eles haviam se tornado, e se algo, de fato, os havia atendido do outro lado.

O que realmente aguarda aqueles que se atrevem a invocar o que está oculto na escuridão, e quem são os arquitetos dessa teia de desespero e crença distorcida?


Por: Felipe Bastos Guimarães

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