Um curandeiro popular é acusado de usar magia negra quando seus pacientes começam a desaparecer misteriosamente.
O Curandeiro da Ladeira: Entre a Cura e o Desaparecimento
A pequena cidade de Santa Clara do Cerrado, aninhada entre o pó avermelhado e o verde resiliente da caatinga, sempre respirou um misto de fé e superstição. Há décadas, a figura de Seu Zé, o curandeiro da ladeira, é um farol para os aflitos. Sua casinha modesta, com cheiro de ervas secas e defumador, acolheu gerações de doentes que a medicina convencional parecia ter esquecido. De dores de cabeça crônicas a males que a ciência teima em não nomear, Seu Zé prometia alívio com seus benzimentos, chás amargos e rezas sussurradas em um latim que poucos entendiam.
“Ele é um homem bom, sempre foi”, defende Dona Benedita, 78 anos, cujas mãos calejadas nunca deixaram de buscar o conforto dos ensinamentos de Seu Zé. “Minha neta, a Maria Clara, estava com umas espinhas que nem os doutores conseguiam curar. Ele fez um banho de folha de mamona e em uma semana sumiu tudo. Tenho gratidão eterna.”
Mas a gratidão, em Santa Clara, parece ter se misturado com um medo crescente. Nos últimos seis meses, cinco pessoas, todas com histórico recente de terem procurado os préstimos de Seu Zé, desapareceram sem deixar rastros. Não são casos isolados, e a coincidente ligação com o curandeiro está sufocando a cidade em um silêncio carregado de especulações.
O último a sumir foi Jonas Pereira, um jovem de 22 anos, que sofria de insônia severa. Sua mãe, Dona Lúcia, chora escondida na varanda, os olhos inchados refletindo a desesperança. “O Jonas estava com a cabeça virada, não dormia nada, magro, parecendo um fantasma. Seu Zé disse que era ‘olho gordo’ e que ia dar um jeito. Depois disso… nada. Ele saiu de casa para ir na casa do Seu Zé e nunca mais voltou.”
O delegado regional, Dr. Armando Ribeiro, um homem pragmático acostumado a crimes de roubo e violência, confessa sua perplexidade. “Não temos um único vestígio. Nenhum corpo, nenhuma comunicação, nada. As famílias estão desesperadas, e a população aponta o dedo para o curandeiro. Mas acusar alguém de algo tão grave sem provas concretas é impossível.” Ele suspira, passando a mão pela testa. “Apesar de tudo, as pessoas insistem que as pessoas ‘desaparecem na mão dele’. Alguns falam de rituais, de pactos, de magia negra.”
Os boatos se espalham como fogo em palha seca. Sussurros em volta do fogão a lenha, conversas apreensivas no mercado. Dizem que Seu Zé, em busca de poder ou desespero, teria se voltado para o lado sombrio. Que as almas dos desaparecidos serviriam de oferenda, fortalecendo seus dons e mantendo sua influência sobre a cidade.
Visitamos a casa de Seu Zé. O portão de madeira rangente ecoou o silêncio da tarde. O cheiro de ervas ainda estava presente, mas misturado a um odor adocicado e estranho. Em um canto da varanda, um pequeno altar improvisado com velas pretas e um prato com frutas e uma garrafa de cachaça pareciam desafiar a luz do sol. Seu Zé, um homem franzino, de cabelos brancos e olhos que pareciam carregar o peso de muitas vidas, nos recebeu com uma cautela quase palpável.
“As pessoas falam muita coisa, doutor”, disse ele, a voz rouca e cansada. “Minha vida sempre foi cuidar dos outros, aliviar a dor. Se alguém se perdeu, é uma tragédia. Mas não tenho nada a ver com isso. Minhas rezas são para o bem, para afastar o mal. O que acontece depois que eles saem daqui, eu não controlo.”
Quando questionado sobre os desaparecimentos, seu olhar endureceu. “Tem gente que busca na cura o que a vida tira. Se essa gente desapareceu, quem sabe não foi a própria vida que os levou de volta? Ou talvez… talvez o mal que buscavam afastar tenha sido mais forte do que eu esperava.” Ele desviou o olhar, seus dedos trêmulos roçando uma pequena figa de madeira pendurada em seu pescoço.
A fé em Santa Clara se debate entre a esperança de um toque divino e o terror de uma maldição secular. Seu Zé, outrora a figura amada e respeitada, agora caminha sob o peso de acusações que a razão teme admitir, mas o coração não ousa ignorar. As famílias, em luto silencioso, buscam respostas em um limbo entre a realidade cruel e o mistério profundo.
O que realmente aconteceu com Jonas, com Maria, com os outros que simplesmente… evaporaram? Foi um destino cruel e sem explicação, ou a sombra de algo mais antigo e sombrio que se esconde nas entranhas da fé de Santa Clara do Cerrado? E se Seu Zé não for o culpado, quem ou o quê puxou as cordas que levaram cinco almas para longe?
Por: Felipe Bastos Guimarães

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