Um cão farejador leva a polícia a um corpo em decomposição, o cheiro é insuportável.

Um cão farejador leva a polícia a um corpo em decomposição, o cheiro é insuportável.

O Chesse, um vira-lata caramelo de olhar atento e faro apurado, um dia mudou o destino de uma pequena comunidade esquecida pela prosperidade no interior de Minas Gerais. Sua vida tranquila, dividida entre carinhos da tutora, Dona Elza, uma senhora de mãos calejadas e coração generoso, e a busca incansável por tesouros olfativos em quintais alheios, tomou um rumo sombrio e desesperador numa manhã abafada de setembro.

O ar, já denso e carregado com o cheiro de terra molhada e mangueiras em flor, ganhou uma nova nota, pútrida e nauseabunda, que fez o animal uivar de forma incomum, puxando a coleira de Dona Elza com uma força nunca vista. “Ele nunca fez isso, meu Chesse, nunca!”, repetia a aposentada, enquanto o cão a arrastava, com determinação férrea, para a beira de um matagal fechado que margeava a antiga estrada de terra, raramente usada por alguém.

A cena que se desenrolou a seguir tirou o fôlego de Dona Elza e, logo depois, de uma equipe da Polícia Militar que foi chamada. O cheiro, antes percebido por Chesse, agora era um assalto aos sentidos. Insuportável, ácido, com um tom adocicado macabro, que falava de um fim cruel e solitário. Escondido entre a vegetação espessa, jazia um corpo em estado avançado de decomposição. A identificação inicial era impossível.

“É a pior parte do nosso trabalho”, desabafou o Sargento Almeida, um homem com mais de vinte anos de serviço, a voz embargada. “A gente se acostuma com a dor, com o sofrimento das famílias, mas esse cheiro… ele gruda na gente, na alma.” Ele explicou que, sem o faro de Chesse, a descoberta poderia ter demorado dias, talvez semanas. “Esse cãozinho foi um herói anônimo. Um anjo de quatro patas que nos guiou para dar um fim, ainda que trágico, a essa história.”

A vítima foi identificada como João Pedro, um jovem de 25 anos, que havia desaparecido há quase dois meses. Ele morava na periferia da cidade vizinha, um local marcado pela falta de oportunidades e pelo vício que assombra muitos jovens. Sua família, que vivia em silêncio angustiante, foi notificada. O choro de desespero da mãe, Dona Lúcia, ecoou pela delegacia, transformando a burocracia fria em um palco de dor crua. “Eu sabia que ele tinha problemas, mas nunca pensei que acabaria assim. Queria que ele tivesse me procurado…”, murmurava ela, abraçada a um retrato desbotado do filho sorrindo.

Enquanto a perícia trabalhava, o burburinho tomava conta do pequeno vilarejo. Pessoas se reuniam em volta da viatura, com olhares que misturavam curiosidade mórbida e genuína compaixão. Falaram sobre João Pedro, sobre os rumores que circulavam, sobre dívidas e desespero. Alguns mencionaram um carro desconhecido visto rondando a área na época do desaparecimento. As peças de um quebra-cabeça macabro começavam a se encaixar, mas muitas perguntas pairavam no ar, tão pesadas quanto o cheiro que um dia ali esteve.

Chesse, alheio ao drama humano que desencadeou, lambia a mão de Dona Elza, como se tentasse apagar a lembrança do que viu e sentiu. Ele, o guardião invisível, o farejador que trouxe à luz um segredo sombrio, continuará sua rotina. Mas, para os moradores, para a polícia, para a família dilacerada, a memória daquele cheiro insuportável e a descoberta sinistra permanecerão, como uma cicatriz olfativa na alma coletiva.

O que a vida de João Pedro, em sua busca por redenção ou fuga, o levou àquele matagal? E qual o papel, se houver, do mistério do carro desconhecido naquele desfecho trágico?


Por: Felipe Bastos Guimarães

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