Ponte de luz: um evento sobrenatural em juiz de fora em que luzes inexplicáveis rasgam o céu, mas a cada aparição, um habitante da cidade desaparece sem deixar rastros.

Ponte de luz: um evento sobrenatural em juiz de fora em que luzes inexplicáveis rasgam o céu, mas a cada aparição, um habitante da cidade desaparece sem deixar rastros.

Ponte de Luz

O cheiro de terra molhada misturado ao asfalto quente da Rua Halfeld era familiar, reconfortante para quem, como eu, já viu décadas dessas mesmas tardes de novembro em Juiz de Fora. Mas naquele ano, o cheiro trazia uma nota dissonante, um prenúncio de algo que o paladar da cidade não estava preparado para provar. A chuva, um véu cinza sobre a paisagem urbana, cessou tão abruptamente quanto havia começado, deixando no ar um brilho úmido e o burburinho das pessoas voltando às suas rotinas.

Foi Clara quem notou primeiro. Uma estudante de medicina, seus olhos castanhos sempre focados, acostumados a dissecarem a realidade em busca de respostas. Ela estava no ponto de ônibus, o cabelo escuro grudado na testa suada, quando as luzes surgiram. Não eram fogos de artifício, nem relâmpagos comuns. Eram fendas luminosas, rasgando o céu como cicatrizes de um azul elétrico, pulsando com uma energia contida, quase dolorosa de se olhar. Uma pontada de algo ancestral, talvez.

A cidade parou. Buzinas emudeceram. Conversas foram engolidas pelo espanto. Os primeiros flashes foram curtos, como arrotos de luz no crepúsculo que avançava. Mas a cada vez que uma nova fenda se abria, um silêncio angustiante se instalava. Havia um padrão, sutil no início, que logo se tornou aterrador. Ao lado de cada ponto onde a luz se dissipava, alguém simplesmente não estava mais lá.

No dia seguinte, o medo se espalhou como o mofo em dias úmidos. O Senhor Almeida, dono da padaria da esquina, sumiu a caminho do trabalho. Dona Lurdes, a costureira que fazia os vestidos de festa da alta sociedade juizforana, evaporou do seu ateliê. O pequeno Tiago, que brincava na praça do Largo do Riachuelo, simplesmente não voltou para casa. Ninguém viu nada. Nenhuma luta, nenhum grito. Apenas a ausência.

Eu, Elara Vance, coleciono histórias. As escritas, as faladas, as sussurradas em becos escuros. Sou a Arquivista do Crepúsculo, guardiã dos mistérios que a luz do dia tenta apagar. E este, este evento em Juiz de Fora, era um enigma que pulsava em minhas veias.

Clara, com seu raciocínio clínico, começou a mapear os desaparecimentos. Havia uma lógica, mas não uma lógica humana. Os locais dos sumiços não eram aleatórios. Pareciam estar conectados, formando um desenho tênue e perturbador no mapa da cidade. Uma ponte invisível, traçada por luzes efêmeras.

O desespero se tornou palpável. O comércio fechava mais cedo, as ruas ficavam desertas antes do anoitecer. As mães abraçavam seus filhos com uma força que beirava a agonia. E eu observava, registrando cada sussurro, cada olhar apreensivo, o cheiro de medo se misturando ao perfume das acácias em flor.

Houve a noite em que a Ponte de Luz foi mais intensa. Uma cascata de azul e violeta se derramou sobre o céu, iluminando o Parque Lage como se fosse um palco cósmico. Naquele instante, um grupo de jovens se reunia em frente ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, trocando piadas, a vida pulsando em suas veias jovens e despreocupadas. Quando a luz se apagou, um vazio gelado tomou o lugar de suas risadas. Apenas seus celulares, espalhados no chão, testemunhavam a ausência.

Clara e eu nos encontramos em um café na Rua São João. O cheiro de café forte pairava no ar, um bálsamo para os nervos à flor da pele. Seus olhos estavam cansados, mas a chama da busca por respostas ainda ardia neles.

“Elara”, disse ela, a voz embargada, “não há explicação. Não é um vírus, não é um crime. É algo… outro.”

“E a cada ‘outro’ que surge”, respondi, sentindo o peso da verdade, “leva um pedaço de nós.”

Ela me mostrou um mapa. Os pontos de desaparecimento formavam um padrão quase geométrico. Uma conexão que parecia se estender para além das montanhas que cercam a cidade.

“Eu acho que não são desaparecimentos”, sussurrou Clara, o olhar fixo no mapa. “Acho que são convites. Ou talvez, chamados.”

Naquela noite, enquanto a cidade se encolhia sob o céu escuro, uma nova luz, mais forte e mais persistente, começou a se formar sobre o Morro do Cristo. Era diferente das outras, um dourado cálido, convidativo. O som que emanava dela não era o silêncio angustiante, mas um murmúrio baixo, quase uma melodia ancestral.

Milhares de olhos se voltaram para o céu. O medo ainda estava presente, mas misturado a uma curiosidade quase hipnótica. A Ponte de Luz parecia se estender, um caminho efêmero, convidando quem quisesse cruzar.

E então, sem um som sequer, a luz começou a atrair. Não com violência, mas com uma suavidade irresistível. Pessoas começaram a se mover, como se puxadas por uma corrente invisível. Mãos se soltavam de outras mãos, passos se desviavam dos caminhos conhecidos.

Eu observei Clara. Seus olhos estavam fixos na luz, uma expressão de fascínio misturado a um receio profundo em seu rosto. Eu senti o puxão também, uma saudade de algo que nunca conheci, um anseio por um lugar além das minhas estantes empoeiradas.

A Ponte de Luz dourada pulsou, crescendo em intensidade. E então, com a mesma sutileza com que chegaram, as luzes começaram a se recolher, deixando para trás um céu limpo e um silêncio diferente. Não o silêncio do vazio, mas o silêncio da espera.

E a cidade de Juiz de Fora, com seu cheiro familiar de terra e asfalto, permaneceu, olhando para o céu agora estrelado, questionando se o que viram foi um adeus, um convite, ou a primeira página de um novo capítulo que a Arquivista do Crepúsculo ainda não sabia como escrever.


Por: Elara Vance, a Arquivista do Crepúsculo

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