O Sussurro que Rompe o Silêncio

O Sussurro que Rompe o Silêncio

Aos dezoito anos, Matheus descobriu que o mundo, para ele, era um pouco mais barulhento. Não um barulho de buzinas e conversas, mas um murmúrio constante, um emaranhado de pensamentos alheios que se agarrava à sua mente como poeira fina. No início, pensou ser estresse da faculdade, a pressão de “ser alguém” na vida. Morava em um apartamento alugado, apertado, no burburinho de São Paulo, onde o cheiro de maresia se misturava com o de poluição em dias particularmente úmidos. Sua vida era feita de livros empilhados, café requentado e a melancolia dos fins de tarde que pintavam de laranja-pálido os prédios cinzentos.

Os sussurros se tornaram vozes, depois imagens. A ansiedade da vizinha do andar de cima com uma prova de mestrado, a raiva contida do porteiro com um inquilino barulhento, o medo difuso de um motorista de ônibus que se aproximava. Era avassalador. Tentou ignorar, mergulhar nos estudos de história, acreditar que era uma manifestação do cansaço. Até que, em um dia chuvoso, ao presenciar um assalto na esquina, ele sentiu. Sentiu o pânico do homem que sacava a arma, a intenção fria, e, sem querer, *empurrou*. O assaltante tropeçou, a arma caiu com um baque molhado no asfalto, e o homem fugiu assustado, confuso. Matheus ficou parado, o coração galopando, as mãos trêmulas, o gosto amargo do medo e da adrenalina na boca. Algo estava errado. Ou terrivelmente certo.

Não demorou muito para que o burburinho se transformasse em alarme. Eram eles. Ele sentiu a intenção antes de ver o carro escuro, sem placa, estacionado a alguns quarteirões. Aquele calor frio na nuca, a pulsação acelerada de um predador que se aproxima. Eram homens de ternos impecáveis, semblantes vazios, com uma aura de perigo que o fez gelar. Quando pararam ao seu lado, ele não precisou de palavras. Viu em suas mentes, com uma clareza assustadora, o desejo de controle, de exploração. Sua “habilidade”. Sua “magia”, como diziam em sussurros mentais que ele captava como um raio.

A luta foi breve. Não física, mas uma batalha psíquica, um embate invisível que o deixou exausto e com uma dor de cabeça lancinante. Sentiu sua vontade ser puxada, sua mente invadida, mas resistiu com a força bruta do pânico. Logo, porém, foi imobilizado. O cheiro de um perfume sintético e barato invadiu suas narinas. Entrou no carro, o couro frio em sua pele, e viu, pela janela, o cenário familiar de sua rua se afastar, o cinza se tornar um borrão de tristeza.

O local para onde o levaram era diferente. Longe do barulho de São Paulo, parecia uma fazenda abandonada, um casarão antigo e decrépito no interior de Minas Gerais. O ar cheirava a mofo, poeira e um leve odor de desinfetante que não conseguia disfarçar o mar de decadência. Eram muitos ali, pessoas com olhares igualmente vazios, submetidas a uma rotina rígida.

O líder, um homem chamado Dr. Elias, com olhos penetrantes e um sorriso que não chegava a eles, explicava. Falava sobre “potencial”, sobre “disciplina”, sobre “utilização controlada”. Matheus era um deles, um “despertado”, mas com uma capacidade que eles chamavam de “ressonância amplificada”. Queriam que ele lesse mentes em larga escala, que influenciasse decisões, que se tornasse uma arma.

Os dias se arrastavam em um ciclo de experimentos. Tentavam controlar seus poderes, forçando-o a ler a mente de outros cativos, a sentir suas emoções, a manipula-las. A cada tentativa, Matheus sentia uma parte de si se esvair. A solidão era um peso insuportável. Ele não se sentia especial, mas sim um bicho enjaulado, um experimento vivo. As noites eram povoadas pelos gritos silenciosos de outros que não conseguiam mais suportar.

Um dia, sentiu. Uma fagulha. Não era um dos seus captor, mas um dos outros. Um jovem chamado Tiago, com o rosto marcado pela tristeza, mas com uma força interior que Matheus captava como uma brasa em meio às cinzas. Tiago tinha um segredo, uma memória de fuga, um plano sussurrado em pensamentos cautelosos. Matheus, sentindo uma empatia que o surpreendeu, decidiu.

Na noite seguinte, enquanto Dr. Elias explicava o “próximo nível de controle”, Matheus fez. Concentrou toda a sua energia, todo o seu medo e toda a sua recém-descoberta revolta. Não empurrou, não se defendeu. Ele *amplificou*. Amplificou o medo latente de todos ali, a desesperança, a raiva reprimida. E então, em um grito mudo que ecoou nas mentes de todos, liberou o pensamento de Tiago: *Agora*.

O caos se instalou. Gritos reais irromperam. Portas se abriram. Vultos correram na escuridão. Matheus, exausto, sentiu uma mão o puxar. Era Tiago. Correram pelos corredores escuros, o cheiro de suor e medo aguçado, o eco de passos e gritos em seus ouvidos. Chegaram a um ponto onde a noite parecia engolir o mundo.

Olharam para trás, para a mansão sombria, para as luzes que se acendiam como olhos furiosos. Tinha sido uma fuga. Por ora. Mas o que viria depois? O mundo lá fora ainda era o mesmo, com seus ruídos e suas solidões. Mas agora, eles carregavam um novo tipo de silêncio, o silêncio de quem sabe que não pode mais fingir não ouvir. E para Matheus, o sussurro que rompera o silêncio apenas começava a ressoar.


Por: João Pedro Silveira

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