O Sussurro do Asfalto Queimado
Meu nome é Elias, e já vi mais quilômetros do que a maioria das pessoas vê em toda a vida. Sou motorista de caminhão, daqueles que preferem o cheiro de diesel e o ronco do motor à monotonia do asfalto reto. Por isso, a Estrada 17 sempre me atraiu. Não é a rota mais rápida, nem a mais segura, mas para mim, ela guarda um tipo de magia sombria, um segredo que se desvela aos poucos, como a névoa que sobe do vale ao amanhecer.
Começou sutilmente. Um pôr do sol que parecia se demorar um pouco mais do que o normal, as cores se intensificando a cada minuto, como se o céu estivesse se negando a ceder à noite. Depois, veio a paisagem. As árvores nas margens da estrada, sempre as mesmas bétulas retorcidas e pinheiros antigos, pareciam mudar de posição. Uma árvore que eu jurava ter visto à direita na ida, na volta surgia à esquerda. Pequenas nuances, quase imperceptíveis, mas que, para quem passa horas a fio observando cada detalhe, se tornavam gritantes.
Certa vez, percebi que o sol estava em um lugar incomum para a hora do dia. Estava dirigindo na Estrada 17, já no final da tarde, quando me dei conta de que o sol, que deveria estar se pondo no oeste, na verdade, parecia pairar a leste, pintando o céu com tons de rosa e laranja em uma direção que não fazia sentido. Senti um calafrio percorrer minha espinha. Desliguei o motor, o silêncio repentino engolindo o som do vento. Fiquei ali, parado, observando o céu irreal, tentando encontrar uma explicação lógica. Mas a lógica, na Estrada 17, é um luxo que ela não oferece.
E as figuras. Oh, as figuras. No início, eram apenas vultos na periferia da visão, como sombras que se alongavam demais ou um movimento rápido no canto do olho. Mas com o tempo, elas se tornaram mais definidas, embora nunca totalmente nítidas. Figuras altas, esguias, com contornos que não pareciam humanos. Elas não se moviam, apenas observavam. Pareciam emergir das sombras densas das árvores, ou surgir do próprio asfalto, seus contornos indistintos fundindo-se com a escuridão. Nunca se aproximavam, nunca faziam um gesto ameaçador, mas a intensidade do olhar que eu sentia em mim, mesmo sem ver seus rostos, era palpável, sufocante.
Uma noite, o tempo se tornou o meu maior inimigo. Chovia torrencialmente, e o rádio chiou, uma voz distorcida murmurando algo incompreensível antes de se calar. Olhei para o relógio no painel do caminhão: 23h15. Continuei dirigindo, a chuva batendo forte no para-brisa, as luzes do caminhão cortando a escuridão. De repente, percebi que o crepúsculo já se instalava novamente, com o céu em um tom alaranjado pálido. Olhei para o relógio novamente. Ainda marcava 23h15. A tempestade continuava, mas a luz do dia retornara. Fiquei ali, paralisado, o motor em marcha lenta, sentindo o tempo se dobrar e se esticar como um elástico velho.
Tentei ignorar. Mudei de rota, evitei a Estrada 17 por semanas. Mas ela me chamava. O ronco familiar do motor, o cheiro de diesel, pareciam insuficientes sem o mistério sussurrante daquela estrada. A curiosidade é um veneno doce, e eu fui um escravo dele. Voltei.
Dessa vez, a paisagem parecia mais viva. As árvores balançavam com um vento que eu não sentia, e os sons da noite, grilos e corujas, pareciam amplificados, distorcidos. E as figuras estavam mais presentes. Pareciam mais numerosas, mais audaciosas. Em um trecho particularmente sombrio, vi uma figura parada bem no centro da estrada, uma silhueta esguia contra a escuridão. Não havia como desviar. Fechei os olhos por um instante, apreensivo, esperando o impacto. Quando os abri, a figura havia desaparecido, mas um rastro de um pó prateado e brilhante pairava no ar onde ela estivera.
Não sei o que há na Estrada 17. Não sei se é um lugar, uma dimensão, ou um sonho coletivo que se manifesta para os solitários que cruzam seus caminhos. Sei apenas que ela me transforma. A cada viagem, sinto que uma parte de mim fica para trás, fundindo-se com o asfalto, com as sombras. E uma parte dela, um eco da sua estranheza, entra em mim, se instalando na minha alma como um parasita silencioso. As pessoas na estrada, em cidades normais, parecem tão… reais. Tão sólidas. E eu, Elias, o motorista que pega rotas alternativas, me sinto cada vez mais etéreo, mais parecido com as figuras que me observam da escuridão da Estrada 17. E o mais assustador de tudo é que, às vezes, eu sinto que elas estão me chamando, me convidando para me juntar a elas. E uma parte de mim, a parte que a Estrada 17 está moldando, tem vontade de atender.
Por: Beatriz Almeida Vianna

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