O Sussurro das Camas Vazias

O Sussurro das Camas Vazias

O ar pesado e úmido do velho Sanatório Boa Esperança empoeirava as lanternas e grudava nas camisetas suadas. Gabriel, com seus vinte e poucos anos e uma câmera que parecia mais um membro do corpo do que um acessório, liderava o caminho. Atrás dele, vinha Clara, a historiadora amadora, seu olhar perspicaz vasculhando cada parede descascada em busca de vestígios de vidas passadas. Leo, o mais cético do grupo, mas com um coração mole por trás da pose de durão, segurava um cano enferrujado, mais por teatro do que por real necessidade. E, por último, a novata, Mariana, com os olhos arregalados e uma mistura de fascínio e pavor, tentando não tropeçar nos escombros espalhados pelo chão.

O hospital, esquecido no alto de uma colina que dava para o bairro proletário de Vila Esperança, era um monstro adormecido. A ferrugem pintava os corrimãos, e o cheiro de mofo e desinfetante vencido pairava no ar, uma fragrância fantasmagórica. Gabriel, movido pela adrenalina da descoberta, abriu uma porta rangente. O quarto era pequeno, com uma cama de metal fria e um pequeno armário embutido. Um urso de pelúcia, desbotado e sem um olho, repousava sobre o colchão rasgado. Mariana engoliu em seco.

“Dizem que aqui tratavam com choque e camisa de força”, sussurrou Clara, sua voz ecoando no silêncio denso. “Mas a história oficial é outra. Falavam em métodos mais ‘humanitários’ para a época.”

Leo deu uma risada nervosa. “Humanitário pra quem? Pros doutores que vinham aqui trabalhar e depois voltavam pra suas casas confortáveis?”

Eles exploraram o corredor principal. As celas, antes trancadas, agora estavam escancaradas, revelando um vazio perturbador. Em uma delas, Gabriel encontrou um desenho rabiscado na parede: um sol torto e uma figura humana com braços levantados. “Olha isso”, disse ele, a voz embargada. “Alguém tava tentando se expressar.”

Mariana sentou-se no chão, encostada na parede fria. “É tão triste”, murmurou, as lágrimas começando a se formar em seus olhos. “Tanta gente que sofreu aqui, sem ninguém pra ouvir.”

Clara se aproximou dela, com uma gentileza inesperada. “Nem todo mundo era esquecido, Mariana. Às vezes, um raio de sol entrava por uma janela, ou um guarda mais bondoso deixava uma florzinha na porta.”

Enquanto o sol se punha, tingindo o céu de tons alaranjados e roxos sobre os telhados de zinco de Vila Esperança, eles encontraram a sala de terapia. Um antigo piano de cauda, coberto de poeira, parecia choramingar em um canto. Gabriel, com um impulso, dedilhou algumas teclas desafinadas. A melodia fraca e arranhada preencheu o espaço, um lamento melancólico.

Leo, que antes zombava, agora olhava para o piano com uma expressão pensativa. “Minha avó costumava tocar. Ela dizia que a música cura a alma. Será que um dia alguém tocou aqui pra aliviar a dor?”

Naquela noite, antes de saírem, eles pararam no pátio central. A lua cheia, uma lanterna prateada, iluminava as ruínas. Gabriel tirou uma última foto, não do hospital, mas do grupo, unidos pelo silêncio e pela melancolia do lugar.

“O que aconteceu com todas essas pessoas?”, perguntou Mariana, sua voz um fio de esperança no crepúsculo.

Clara olhou para a cidade que se acendia lá embaixo. “Algumas voltaram pra casa. Outras, esqueceram como voltar. E algumas, quem sabe, encontraram um tipo diferente de paz, longe daqui.”

No caminho de volta para a cidade vibrante e indiferente, o peso do Sanatório Boa Esperança não se dissipou. Cada um carregava consigo um pedaço daquela quietude, um questionamento sobre a fragilidade da sanidade e a persistência da memória humana. O sussurro das camas vazias ecoaria em suas mentes, um lembrete de que, por trás de muros abandonados, residem histórias que clamam por serem ouvidas, mesmo que apenas pelo vento que atravessa as janelas quebradas.


Por: Isabela Fernandes Couto

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