O Sussurro da Varanda

O Sussurro da Varanda

A tarde caía sobre o Rio de Janeiro com a familiar melancolia de um domingo sem sol. O cheiro úmido de terra molhada após um chuvisco passageiro misturava-se ao aroma adocicado do jasmim que despontava na varanda de Dona Aurora. Ela, com seus setenta e poucos anos, sentada em sua poltrona de vime desbotada, observava o movimento lento da rua pela janela embaçada. Seus olhos, outrora vibrantes como o mar de Copacabana, agora carregavam a sombra de incontáveis noites mal dormidas.

O pesadelo não era novo. Começara há meses, como um murmúrio insistente no silêncio da madrugada. Uma figura, alta e esguia, envolta em sombras, parada no canto escuro do seu quarto. Nunca um grito, apenas a presença gélida, um frio que não vinha do ar condicionado. A figura não falava, mas Dona Aurora sentia um peso esmagador, um medo primal que a paralisava na cama, o coração martelando contra as costelas.

Agora, o pesadelo estava mais audacioso. Durante o dia. Começou com um vislumbre. Uma sombra fugaz no reflexo do espelho do corredor. Depois, o barulho. Um arrastar leve, como um sapato esquecido no chão. Dona Aurora atribuía à casa velha, aos ruídos que se acomodam com o tempo. Mas o incômodo crescia, como uma erva daninha insidiosa.

Seu neto, Léo, um jovem de vinte anos com a energia contagiante de quem descobre o mundo, era sua única companhia constante. Ele morava com ela para ajudar, o salário do emprego noturno de motorista de aplicativo mal cobrindo as contas da faculdade. Léo a amava profundamente, via a fragilidade nela, mas também a força que a mantinha de pé. Notava sua inquietação, os olhos marejados, as mãos trêmulas ao servir o café.

“Vó, tá tudo bem?”, perguntava ele, a voz preocupada.

Dona Aurora sempre sorria, um sorriso frágil. “É só a idade, meu filho. O corpo cobra o seu preço.”

Mas Léo não se contentava. Percebeu que a avó evitava o corredor escuro à noite. Que ela trancava a porta do quarto mesmo quando ele estava em casa. Um dia, ao passar pela sala, viu sua avó parada na porta da varanda, os olhos fixos em um ponto invisível no gramado mal cuidado. A luz fraca do poste iluminava seu rosto pálido, os lábios ligeiramente entreabertos. Ela parecia… ouvir algo.

“Vó?”, chamou Léo, hesitante.

Dona Aurora sobressaltou-se, virando-se com um movimento brusco que fez seus ossos reclamarem. “Ah, Léo. Não te ouvi chegar.”

“O que a senhora tá vendo lá fora?”, ele perguntou, seguindo seu olhar.

Ela olhou para o gramado, para a cerca de arame farpado, para o muro pichado do vizinho. Nada. Apenas a noite densa e a brisa que balançava as folhas das mangueiras. “Nada, meu filho. Só… uma lembrança.” A palavra pairou no ar, carregada de um peso que Léo não conseguia decifrar.

Naquela noite, Léo acordou com um barulho. Não era um sonho. Era real. Um som arrastado vindo do corredor. Ele se levantou com o coração acelerado, o medo um nó na garganta. Abriu a porta do quarto devagar. O corredor estava escuro, iluminado apenas pela luz fraca que escapava pela fresta da porta da sala. E lá, no fim do corredor, a silhueta de alguém. Alta. Esguia. Parada.

Léo congelou. A mesma sensação de pavor que sentia quando visitava a casa da avó na infância, quando o medo do escuro era mais palpável, tomou conta dele. Ele não gritou. Não conseguia. A figura não se moveu. Apenas permaneceu ali, uma mancha negra na escuridão.

Então, um sussurro. Não do corredor. Mas da varanda. Um sussurro suave, que parecia vir de dentro da casa, mas que ecoava com a frieza de um lugar distante. Um nome. O nome da avó.

Léo olhou para a varanda, para a porta entreaberta. Um filete de luar entrava, iluminando o chão. E pela primeira vez, ele viu. Uma sombra, mais escura que as outras, esgueirando-se pela beirada da varanda, contornando o vaso de jasmim. Uma sombra que se movia com uma lentidão antinatural, como se estivesse sendo arrastada, mas sem pertencer a corpo algum.

Ele deu um passo para trás, tropeçando no próprio pé. O barulho, por menor que fosse, ecoou. A figura no corredor se virou lentamente. E no breu, Léo viu um brilho. Um reflexo fugaz, como o de olhos.

A porta da sala se fechou com um baque suave. A figura no corredor desapareceu. O sussurro cessou. O silêncio voltou, um silêncio pesado, impregnado de um terror que Léo jamais imaginou sentir. Ele correu de volta para o quarto, trancou a porta, o corpo tremendo incontrolavelmente.

No dia seguinte, o sol teimava em não aparecer. Dona Aurora estava sentada na poltrona, o olhar distante, os dedos entrelaçando-se em seu colo. Léo, com olheiras profundas, preparou o café, as mãos ainda instáveis.

“Vó”, começou ele, a voz embargada. “Eu… ouvi um barulho ontem à noite.”

Dona Aurora não o olhou. Seus olhos estavam fixos no jardim, nas sombras que se adensavam sob as árvores. “Eu sei, meu filho”, disse ela, a voz baixa e cansada. “Eu sei.”

Ela finalmente virou-se para ele, um lampejo de dor em seus olhos turvos. “Às vezes, o que vivemos em nossos sonhos não quer mais ficar lá. Eles querem encontrar o seu lugar.”

Léo a encarou, o terror misturado à perplexidade. A sombra na varanda, o sussurro, a figura no corredor. Tudo se encaixava de uma forma aterradora. Ele olhou para a varanda, para a porta entreaberta, onde o vento agora brincava com as folhas secas. Algo pairava no ar, invisível, mas palpável. Um presságio. E ele sabia, com uma certeza gelada, que o pesadelo de sua avó tinha acabado de convidar o seu próprio para a dança. A casa, antes um refúgio, agora parecia um palco para algo antigo e faminto, que começava a se revelar nos cantos escuros e nos sussurros do vento. E a pergunta que martelava na mente de Léo era cruel: como se livrar de algo que, uma vez visto, nunca mais deixava de ser sentido?


Por: Isabela Fernandes Couto

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