O sussurro da mata negra: em botucatu, a floresta esconde algo antigo e faminto, com relatos de desaparecimentos em trilhas que, segundo lendas locais, leva a um destino de terror.

O sussurro da mata negra: em botucatu, a floresta esconde algo antigo e faminto, com relatos de desaparecimentos em trilhas que, segundo lendas locais, leva a um destino de terror.

O Sussurro da Mata Negra

O cheiro de terra molhada e orvalho ainda pairava no ar, um aroma familiar que acompanhava Dona Elena desde a infância. Botucatu, sua cidade, parecia respirar esse perfume, especialmente nos arredores da Mata Negra, a mancha verde densa que se estendia além dos limites das últimas casas do bairro, engolindo o horizonte com sua sombra antiga. Desta vez, porém, o cheiro trazia consigo um nó na garganta. A notícia do desaparecimento de Miguel, o neto da vizinha, já se espalhava como o próprio mato, rápido e sufocante.

Miguel era um garoto de dezesseis anos, com aquele brilho nos olhos que desafiava o tédio das tardes em cidade pequena. Amava as trilhas da Mata Negra, dizia que lá encontrava a paz que o mundo dos adultos não oferecia. Dona Elena, com seus oitenta anos e a sabedoria teimosa que só o tempo confere, sempre o alertara. Não sobre monstros ou lobisomens, mas sobre o respeito que a mata exigia. “Ela não gosta de ser invadida sem permissão, Miguel. Tem seus segredos, e nem todos são feitos para os nossos olhos.”

O pai de Miguel, Seu Jairo, um homem de poucas palavras e braços fortes acostumados ao trabalho braçal, estava desolado. A cada hora que passava, o desespero apertava mais. A polícia, com suas buscas metódicas e equipamentos que pareciam ridículos diante da imensidão da mata, não encontrava nada. Nenhuma pegada, nenhum sinal de luta, apenas o silêncio implacável das árvores centenárias.

Na praça, sob a sombra das figueiras, os boatos fervilhavam. Não eram os clássicos contos de assombração, mas algo mais sutil, mais real. Falavam de um caminho que se abre apenas para os que carregam em si uma ânsia específica, um vazio que a mata, de alguma forma, reconhecia e preenchia. Um destino para onde os perdidos, os insatisfeitos, os que buscavam algo além do que a vida lhes dava, eram sutilmente atraídos. Os mais antigos sussurravam sobre um tempo em que a mata era mais poderosa, antes das cidades, antes do asfalto.

Dona Elena, observando Seu Jairo, sentiu um aperto no peito. Ela sabia que as lendas tinham um fundo de verdade, não pela magia, mas pela força da natureza e pela fragilidade da alma humana. O que os jovens, como Miguel, buscavam? Um lugar onde o barulho da vida não os alcançasse? Um refúgio para as dores silenciosas?

Uma tarde, enquanto o sol se punha tingindo o céu de laranja e roxo sobre a copa densa, Dona Elena sentiu um chamado. Não um som, mas uma sensação, um puxão na alma que a direcionava para a entrada da Mata Negra. Ela não era tola, sabia que a mata não se abria para qualquer um, mas algo em seu coração a impelia.

Adentrou a mata, o chão úmido sob seus pés descalços. O ar ficou mais denso, o silêncio se tornou palpável. A luz do crepúsculo filtrava-se em feixes tortuosos, iluminando musgos e raízes que pareciam contorcer-se em formas estranhas. Não havia medo, apenas uma curiosidade antiga, uma admiração respeitosa. Ela observava a vida pulsando ao seu redor: o zumbido dos insetos, o farfalhar das folhas, o cheiro pungente de decomposição e renascimento.

E então, ela viu. Não uma clareira idílica, nem um portal luminoso. Viu uma trilha recém-formada, discreta, como se tivesse sido aberta ali mesmo. E no centro da trilha, um objeto. Era o boné surrado de Miguel.

Dona Elena parou, o coração batendo acelerado não pelo perigo, mas pela certeza que se instalava. A mata não era uma devoradora voraz, mas um palco. Um palco para os que, buscando um além, acabavam por encontrar um aqui, mas um aqui que poucos compreendiam. Ela olhou para a trilha, um caminho que parecia se aprofundar na escuridão, prometendo não terror, mas um tipo de paz, uma resolução para as inquietações que não encontravam eco no mundo visível.

Pegou o boné de Miguel, sentindo a textura familiar do tecido. Deu um último olhar para a mata, o cheiro agora misturado a uma aceitação silenciosa. A mata guardava seus segredos, e alguns deles, talvez, fossem apenas o ponto de partida para outras jornadas, não de retorno, mas de descoberta. As lendas locais falavam de destino de terror, mas Dona Elena, ali, sentiu uma verdade mais complexa: um destino de partida. E a Mata Negra, em sua imensidão silenciosa, continuava a sussurrar, convidando aqueles que ousavam escutar o chamado do seu próprio vazio. O destino de Miguel, como o de muitos outros que haviam se perdido ali, permanecia um mistério, não pela violência, mas pela profunda e inescrutável atração de um lugar que abraçava o que o mundo não queria.


Por: Ricardo Soares Guedes

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