O som de passos na casa vazia quando se está sozinho.
**O Silêncio que Fala: Passos na Casa Vazia, Solidão que Aflige**
**Por [Seu Nome], Jornalista Investigativo**
O crepúsculo pinta de tons ocre as janelas do velho sobrado no bairro da Liberdade, em São Paulo. Lá dentro, Dona Aurora, 78 anos, ajeita um xale sobre os ombros magros. A televisão exibe uma novela antiga, uma companhia barulhenta para o silêncio profundo que habita seus dias. Mas, nas horas mais quietas, quando o tráfego lá fora se atenua e a única luz vem da tela e de um abajur amarelado, ela os ouve. Passos. Leves, cadenciados, mas inconfundíveis. Na sala, no corredor, às vezes parecem vir do quarto que antes era do seu falecido marido, Seu João.
“No começo, pensei que era a casa se ajeitando, o assoalho velho…”, confessa Dona Aurora, a voz embargada pela emoção e pela dificuldade de verbalizar algo tão íntimo. Seus olhos, antes vívidos, agora carregam a melancolia de quem viu a vida passar e, com ela, as presenças que um dia preencheram cada canto daquele lar. “Mas é um andar diferente, sabe? Um peso… um ritmo. É como se alguém estivesse andando de um lado para o outro, esperando.”
Dona Aurora é uma entre muitos. Em meio ao burburinho incessante da metrópole, um crescente contingente de idosos se encontra em situações de solidão profunda. Fator que, muitas vezes, se manifesta em sensações, medos e, sim, nos tais passos na casa vazia. A demografia brasileira, com o aumento da expectativa de vida, nos presenteia com uma população mais longeva. Mas essa longevidade, sem o suporte adequado e a rede de afeto que se esvai, pode se tornar um fardo pesado.
“A gente se acostuma com a companhia”, diz Seu Elias, 65 anos, viúvo há cinco. Ele mora sozinho num apartamento modesto em Santana. As filhas moram em outras cidades, e as visitas, embora queridas, são esporádicas. “De noite, quando o mundo dorme, o silêncio grita. E aí, meu filho, a cabeça começa a trabalhar. Começa a ouvir coisa onde não tem. Às vezes, parece que ouvi a Maria [sua falecida esposa] chamando meu nome. Ou o barulho dela na cozinha.”
Psicólogos e geriatras apontam a solidão como um dos maiores flagelos da terceira idade. A ausência de interações sociais regulares pode levar à depressão, ansiedade e a um declínio cognitivo acelerado. E a mente, em sua busca incessante por preencher o vazio, pode criar cenários, evocar memórias e, em casos de extremo isolamento, até “sentir” presenças.
“Não é alucinação no sentido psiquiátrico clássico, na maioria das vezes”, explica Dra. Helena Costa, geriatra com vasta experiência. “É mais uma manifestação da necessidade humana de conexão, de sentir que não está sozinho. A casa, que antes era um palco de vidas, se torna um eco. E a mente, tentando dar sentido a esse eco, pode interpretar ruídos banais – o assoalho, um cano, o vento – como passos, como vozes.”
Em bairros como o Bixiga e a Vila Mariana, redutos de famílias que cresceram e se espalharam, histórias semelhantes se repetem. Vizinhos que outrora dividiam o café da manhã agora apenas acenam de longe. O riso das crianças que brincavam na rua deu lugar a um silêncio respeitoso, por vezes opressor, dos prédios altos.
Dona Aurora guarda em uma caixa de sapatos fotografias desbotadas. Em cada imagem, um pedaço de sua história, de suas presenças. “Às vezes, olho para ele [Seu João] e pergunto: ‘E aí, seu João? O senhor está andando por aí de novo? Não se preocupe, eu estou aqui. Não estou sozinha, o senhor está aqui comigo’. É o que me ajuda a dormir.”
Mas o que acontece quando a casa está realmente vazia, e os passos parecem não pertencer a ninguém que se foi, mas a algo que está por vir? Essa é a pergunta que paira no ar rarefeito dos corredores silenciosos, um fantasma que a sociedade brasileira, cada vez mais envelhecida, precisa começar a confrontar.
A cidade adormece. O som da televisão de Dona Aurora diminui. Na rua, o silêncio é quebrado apenas pelo uivo distante de uma sirene. E, dentro da casa, os passos continuam, um ritmo que ecoa não apenas no assoalho, mas na alma de quem os ouve. Seriam apenas ecos do passado, reavivados pela solidão, ou algo mais, uma energia latente que a quietude da noite, e o peso dos anos, despertam?
Por: Felipe Bastos Guimarães

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