O Rastro da Saudade

O Rastro da Saudade

O sol da tarde, com seu calor úmido e preguiçoso, descia sobre os pastos da Fazenda Boa Esperança. Seu Antônio, com o chapéu de palha amassado cobrindo a calva reluzente, apalpava o couro gasto do arreio de seu cavalo, Caramelo. O cheiro de terra revolvida e de capim seco pairava no ar, familiar e reconfortante como um abraço de mãe. Naquele fim de tarde, no entanto, algo pesava diferente. Uma inquietação, fina como teia de aranha, se enroscava em seu peito.

A seca, ah, a seca já dava seus botes cruéis. A terra rachada, o gado magro, a esperança murchando como as folhas de milho sob o sol inclemente. Sua filha, Clara, a única que lhe restava desde que a Dona Elena se fora há tantos anos, estava em São Paulo, buscando uma vida que ele não podia mais oferecer ali. Mandava cartas, curtas e cheias de um otimismo que não conseguia disfarçar a saudade que roía as entrelinhas. A última, que ele trazia guardada no bolso da camisa de algodão desbotada, falava de um emprego novo, um lugar para ficar. Pequenas vitórias que ele tentava segurar como água nas mãos.

Caramelo relinchou, mais para si do que para o dono. Seu Antônio olhou para o céu. As nuvens, outrora prometendo chuva, se dispersavam em traços pálidos, quase artificiais. E então, o silêncio. Não o silêncio pacífico do campo, mas um silêncio engolido, como se o próprio ar tivesse sido sugado. Um zumbido baixo, profundo, começou a vibrar nos seus ossos, e a luz do sol, antes dourada, adquiriu um tom esverdeado, doentio.

Caramelo empinou, relinchando de pavor. Seu Antônio, agarrado à crina molhada de suor do animal, sentiu o chão sumir sob seus pés. Não era um voo. Era um puxão, um descolamento da realidade, como se a própria essência de sua existência estivesse sendo desfeita. O cheiro de terra e capim foi substituído por algo frio, metálico, com um toque de incenso antigo e desagradável.

Ele não viu os rostos, não viu as formas exatas. Apenas a sensação de ser desnudado, não do corpo, mas do que o compunha: as memórias felizes do casamento, o cheiro do café da Dona Elena pela manhã, o sorriso de Clara ao montar pela primeira vez em Caramelo, o suor do trabalho na roça, a dor da perda. Tudo era extraído, como fios de luz que se desprendiam dele, aspirados por algo que não tinha nome, mas que ele sentia como uma fome antiga, insaciável. Não era dor física, era uma anulação do ser.

Não havia gritos. Não havia resistência. Apenas a resignação silenciosa de quem é levado por uma força incontrolável. Lembrou-se da última carta de Clara, do desejo de que ela estivesse bem, de que encontrasse a felicidade que ele nunca pôde garantir. Essa saudade, tão pura, tão dolorida, foi a última coisa que sentiu antes que a escuridão o engolisse por completo.

Quando o sol da tarde retornou ao seu tom dourado e o zumbido cessou, a Fazenda Boa Esperança estava estranhamente quieta. Caramelo estava sozinho no curral, as rédeas soltas no chão, um brilho de terror ainda nos olhos. A casa estava vazia, a porta da frente entreaberta, como se Seu Antônio tivesse saído para uma caminhada rápida e esquecido de trancá-la. No bolso da camisa de algodão desbotada, a carta de Clara jazia intacta, um pedaço de papel branco em um mundo que de repente parecia ter perdido todas as suas cores. E o cheiro de terra e capim, no ar morno, trazia consigo uma melancolia sem causa aparente, um rastro de algo que se fora, deixando apenas a lembrança e o vazio.


Por: Beatriz Almeida Vianna

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