O diário de uma vítima que revela pistas enigmáticas sobre seu assassino.

O diário de uma vítima que revela pistas enigmáticas sobre seu assassino.

O Diário de Sofia: Sussurros de um Crime Inacabado

A capa gasta, amarelada pelo tempo e pela umidade, mal esconde o mar de dor e mistério que se desenrola em suas páginas. “Diário de Sofia”, escrito com a caligrafia elegante e levemente inclinada da jovem, repousa agora sobre a mesa de madeira fria da delegacia. O corpo de Sofia, 24 anos, foi encontrado há duas semanas em sua modesta casa no bairro da Vila Esperança, em São Paulo. A polícia ainda busca respostas, mas o diário, um confessor silencioso, parece sussurrar pistas sobre um predador que caminha livre.

A Vila Esperança, com suas ruas de paralelepípedos, o cheiro de café vindo das padarias e os grafites coloridos que decoram os muros desgastados, é um retrato fiel de muitas periferias brasileiras. Um lugar onde a vida pulsa forte, mas onde a insegurança espreita nos becos e a esperança, por vezes, parece um luxo distante. Sofia, estudante de artes visuais, era uma dessas almas vibrantes que lutavam para fazer seu sonho florescer em meio às dificuldades.

“Hoje o sol estava teimoso, insistindo em romper as nuvens cinzentas da manhã. Fui para a faculdade com o coração leve, ouvindo o último lançamento da Anavitória no fone de ouvido. No caminho, vi um homem parado na esquina, com um olhar que parecia querer despir a alma de quem passava. Senti um arrepio, mas logo o dissipei. Deve ser coisa da minha cabeça”, escreveu Sofia em 18 de outubro do ano passado.

Essas anotações, aparentemente triviais, se tornaram um labirinto para o Delegado Rodrigues, um homem grisalho, com olheiras profundas e a paciência desgastada por anos de tragédias. “Ela descreve pessoas, situações, medos sutis. Há uma sensação crescente de apreensão nas últimas páginas. Ela começou a notar coisas, a se sentir observada”, conta Rodrigues, folheando o diário com cuidado.

Um trecho em especial chama a atenção: “Ele estava lá de novo. No parque, fingindo ler um livro. Mas seus olhos… eram como faróis buscando um naufrágio. Usei meu guarda-chuva vermelho para me esconder, como uma criança medrosa. Que ridículo. Mas o medo é um monstro que não escolhe hora para atacar.” A referência ao “guarda-chuva vermelho” é a única menção a um objeto pessoal de cor específica que a polícia não encontrou na cena do crime.

Entre as páginas, encontramos fragmentos de sua vida: o amor platônico pelo professor de escultura, as frustrações com a falta de reconhecimento de seu trabalho, a alegria genuína ao ganhar um pincel novo de presente de seu pai, Seu João, dono de uma pequena oficina mecânica e a alma da família.

“Pai me deu um pincel novo hoje! Sinto que minhas pinceladas vão voar para outro patamar agora. Ele disse que meu talento é um tesouro. Às vezes, fico pensando se ele sabe o quão importante isso é para mim, para nós”, dizia uma anotação feita com um coração desenhado ao lado.

Seu João, com as mãos grossas e o rosto marcado pelo trabalho, mal consegue conter as lágrimas ao falar da filha. “Ela era luz, meu delegado. Uma artista. Não consigo entender quem faria algo assim. Ela não tinha inimigos.” Mas em meio à dor, ele se lembra de algo que pode ser uma peça do quebra-cabeça. “Sofia mencionou um cara que ela via sempre perto da faculdade. Um sujeito meio esquisito, que ficava parado olhando. Ela dizia que ele tinha um carro velho, um Fusca azul, que fazia um barulho estranho no motor. Chamava de ‘o monstro barulhento’.”

A menção ao “monstro barulhento” parece conectar-se a uma observação anônima que chegou à delegacia: “Vi um Fusca azul velho rondando a rua de Sofia na noite em que ela… desapareceu. Fazia um barulho que parecia um motor engasgando.” A polícia agora busca por um Fusca azul antigo na região.

O diário, porém, não é apenas um relato de medos. Há também momentos de esperança e planos para o futuro. “Sonho em expor minhas telas em uma galeria. Mostrar ao mundo a beleza que eu enxergo nas coisas simples. Talvez um dia, quem sabe, eu compre uma casinha com um jardim florido. E um gato. Um gato preto e peludo. Como o que eu vi hoje, dormindo ao sol na calçada. Tão sereno…”

O mistério se adensa com uma entrada datada de poucos dias antes de sua morte: “Ele se aproximou hoje. Não falou nada, apenas me deu um sorriso. Um sorriso que não alcançava os olhos. Era frio. E eu senti que ele sabia de algo. Algo sobre mim. Algo que eu não sei.” A descrição desse sorriso enigmático, somada à presença constante e ao olhar penetrante, aponta para um assassino que, talvez, tenha se alimentado do medo e da admiração de sua vítima antes de consumar seu ato.

As páginas silenciosas de Sofia viraram o palco de uma caçada invisível. Cada palavra, cada vírgula, um possível rastro. Mas o que impulsionou esse predador a escolher Sofia? O que ele viu nela, que a fez se tornar o alvo de um olhar tão cruel?

Será que o “monstro barulhento” era apenas um incômodo na vida de Sofia, ou um prenúncio sombrio de seu destino? E aquele sorriso enigmático, era de um predador satisfeito ou de um calculista prestes a desferir o golpe final? A busca por respostas continua, alimentada pelas entrelinhas de um diário que se recusa a calar.

O que Sofia sabia que a tornou um alvo? E quem é o homem por trás do sorriso que gelou seu sangue, e agora nos deixa com um nó na garganta e a ânsia por desvendar os segredos que o diário de uma vítima nos legou?


Por: Felipe Bastos Guimarães

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *