O corpo de uma celebridade desaparecida é encontrado, atraindo uma atenção midiática sem precedentes.
O Silêncio Que Gritava
O cheiro de maresia e poeira batia na janela do meu apartamento em Copacabana, uma mistura familiar que sempre me ancorou. Mas naquele dia, o cheiro familiar era sufocado por um aroma mais pungente, mais sinistro: o da notícia. Helena Viana, a estrela do cinema brasileiro, que se desvanecera do radar há três semanas, fora encontrada. E não num cenário glamouroso, como tantos imaginavam.
A câmera do meu celular tremia nas mãos. As redes sociais explodiam num frenesi de emojis de choque e teorias conspiratórias. Na TV, o Jornal Nacional já dedicava um bloco inteiro à “descoberta macabra”. Eu não era fã de Helena, confesso. Admirava seu talento, sim, mas a devoção cega que a cercava me parecia um pouco sufocante. Agora, porém, era um nó na garganta que me impedia de respirar.
Marina, minha amiga e vizinha, apareceu na porta, os olhos arregalados e vermelhos. “Você viu, Bia? No Morro da Conceição. Num casebre abandonado.” Sua voz era um sussurro rouco. “Aquela trilha que a gente desviava quando era moleque.”
O Morro da Conceição. Lugares que eu e Helena, em tempos distintos, percorríamos com sapatos surrados e sonhos inflados. Eu, tentando encontrar meu caminho na literatura; ela, nos palcos improvisados de um teatro comunitário. A ironia era cruel. O Rio, que a projetou para o mundo, a devolvia em pedaços, num recanto esquecido que escondia mais do que revelava.
A mídia se aglomerou. Helicópteros zumbiam como moscas sobre a cidade. Repórteres, com seus microfones e câmeras ansiosas, transformaram o que era dor em espetáculo. Fiquei observando da minha varanda, o barulho incessante como um zumbido de abelhas raivosas. Os jornalistas, em sua maioria, falavam de “mistério”, “reviravolta”, “cena de crime”. Mas eu via os detalhes que eles não captavam. Via a desolação nos rostos dos poucos moradores locais que ousavam espiar das janelas empoeiradas. Via o contraste entre a pompa do evento e a crueza do local.
Naquela noite, no bar da esquina, o assunto era Helena. As cervejas desciam amargas. As especulações eram infinitas. Assassinado? Suicídio forjado? Fuga? A conversa, antes leve, agora carregava um peso sombrio. Aos poucos, as imagens de Helena nas telas, sorrindo, deslumbrante, se desfaziam, dando lugar a uma figura mais complexa, cercada por sombras que ninguém se importava em investigar a fundo, apenas em gritar sobre.
Dias depois, a notícia esfriou. A manchete mudou para o próximo escândalo, o próximo desaparecimento, a próxima tragédia a ser digerida em doses homeopáticas. Mas o silêncio que ficou, o silêncio do Morro da Conceição, o silêncio da vida de Helena, esse era diferente. Era um silêncio que gritava. Um grito de questionamento sobre a forma como celebramos a vida e, mais ainda, como consumimos a morte.
Eu me peguei pensando nas minhas próprias fugas, nos meus próprios refúgios. Seria possível que a busca por um “fundo” – seja ele qual fosse – nos levasse a um fim tão desprovido de qualquer glória, apenas a crua e aterradora realidade de um corpo esquecido? E nós, espectadores, quanto éramos cúmplices dessa encenação?
Naquele domingo chuvoso, o cheiro de café fresco invadiu meu apartamento. Abri o notebook. O artigo sobre Helena ainda estava lá, na aba. Mas hoje, eu queria escrever sobre o que ficou depois do holofote. Sobre o silêncio que grita. E sobre a esperança, tênue como a luz de um farol distante, de que, um dia, consigamos olhar para as sombras com a mesma intensidade com que olhamos para o brilho.
Por: Isabela Fernandes Couto

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