A sombra que reflete assassinos.

A sombra que reflete assassinos.

A Sombra Que Reflete Assassinos

O cheiro de fritura e mofo pairava no ar pesado da Rua das Oliveiras. Não era o aroma de um banquete, mas o prenúncio de noites em claro, de estômagos vazios e de um medo que se tornara parte da mobília. Naquele beco esquecido de uma cidade que parecia preferir ignorar sua existência, as sombras não eram apenas ausência de luz. Elas projetavam vultos, sussurravam nomes e, para alguns, refletiam o rosto dos assassinos.

Dona Maria, com seus olhos fundos e mãos enrugadas que tremiam ao segurar a xícara de café frio, foi uma das primeiras a notar a mudança. “Era um barulho de gente mesmo, antes. Criança correndo, mulher botando roupa no varal. Agora… agora é silêncio. Um silêncio que grita”, ela desabafa, sentada em um banquinho desbotado na frente de sua casa, que antes era pintada de um alegre azul, agora descascado como pele ferida.

Há seis meses, o primeiro corpo foi encontrado. Um garoto, conhecido na vizinhança como Léo, vítima de uma brutalidade que chocou até os mais endurecidos. Depois veio outro. E mais outro. Homens, jovens, sem um aparente elo entre si, exceto pela forma como suas vidas foram interrompidas, abruptamente, violentamente. A polícia aparece, faz rondas, recolhe evidências, mas a comunidade sente que algo fundamental está sendo perdido: a esperança.

“Eles dizem que é coisa de facção, de briga de dívida”, conta Jeferson, 22 anos, que trabalha como motoboy e conhece cada canto da quebrada. Seus olhos, acostumados à escuridão das madrugadas, parecem carregar o peso da impotência. “Mas e se não for? E se for alguém que mora aqui perto? Alguém que a gente vê todo dia na padaria, na igreja, no mercadinho do Seu Zé?”

Essa pergunta ecoa nos corações assustados. A confiança, que já era um bem escasso nas periferias, desmoronou. Vizinhos se olham com desconfiança. Risadas sumiram, substituídas por sussurros apreensivos. As crianças, antes livres para brincar na rua até o cair da noite, agora são chamadas para dentro assim que o sol começa a se pôr.

“Minha filha não quer mais vir para cá”, conta Ana Lúcia, 38 anos, que veio visitar a mãe com a pequena Sofia, de 7 anos. “Ela pergunta se o moço malvado da sombra vai pegar ela. Eu não sei o que responder. Eu mesma tenho medo de andar sozinha depois que escurece. A gente sente que tá sendo vigiada, sabe?”

O crime organizado é uma realidade cruel, mas a sensação que se instala na Rua das Oliveiras é mais insidiosa. A ideia de que o perigo não vem de fora, mas de dentro, de uma vizinhança que antes era um porto seguro. Os moradores descrevem um padrão sutil: o aumento das brigas bobas, discussões acaloradas por motivos banais, a frieza incomum em alguns olhares. Seria o reflexo de uma mente perturbada, disfarçada na rotina cinzenta?

Os dias na Rua das Oliveiras se tornaram uma contagem regressiva para o próximo anúncio fúnebre. As autoridades insistem em suas investigações, mas a comunidade clama por mais. Clama por respostas que acalmem o medo, por um rosto para a sombra que assombra suas noites.

Mas e se a sombra não refletir apenas um assassino, mas a fragilidade da própria sociedade, que tantas vezes se volta contra si mesma? E se o monstro estiver, na verdade, entre nós, disfarçado pela normalidade do dia a dia, esperando a escuridão para revelar sua face sombria?

A Rua das Oliveiras espera, em silêncio, pela luz da verdade. Mas, por enquanto, apenas a sombra, carregada de medo e incerteza, parece oferecer um reflexo inquietante. Quem será o próximo a ter sua vida ceifada pela sombra que reflete assassinos? E o que essa sombra revela sobre o mundo que nos cerca?


Por: Silas Thorne, o Cronista do Insólito

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