A sensação de que o tempo está se distorcendo.

A sensação de que o tempo está se distorcendo.

A Sombra da Janela

O cheiro de café coado pairava no ar, preguiçoso como a manhã de domingo que se esticava na sala de estar. Clara, com seus trinta e poucos anos, sentada na poltrona de vime desbotado que herdara da avó, observava os raios de sol que filtravam pelas persianas, pintando listras douradas no piso de madeira. Lá fora, o barulho distante de um carro, um latido solitário, o burburinho tímido do bairro começava a despertar. Tudo parecia normal.

Mas algo, sutil e incômodo, estava fora do lugar. Era como se o tempo tivesse decidido tirar uma folga, se espreguiçar um pouco mais do que o usual. Clara tentava concentrar-se no livro aberto no seu colo, um romance antigo com páginas amareladas e cheiro de mofo, mas as palavras fugiam. Seus olhos percorriam as linhas sem absorver o significado.

De repente, um raio de sol mais intenso iluminou a poeira dançando no ar. Era um instante fugaz, mas, na percepção de Clara, aquele momento se prolongou. A partícula de pó parecia suspensa, congelada na gravidade, por uma fração de segundo que se esticou em eternidade. Ela piscou, e o movimento normal retornou, o grão de poeira descendo mansamente.

Um arrepio subiu por sua espinha. Não era a primeira vez. Nas últimas semanas, esses lapsos haviam se tornado mais frequentes. Um suspiro que parecia ecoar por tempo demais, o som da torneira pingando que se estendia em uma sinfonia de gotas interligadas, o movimento lento das nuvens que parecia uma lenta coreografia cósmica. O tempo, antes um rio caudaloso e implacável, agora se comportava como um lago turvo e estagnado, onde os minutos se arrastavam e os segundos eram eternos.

Ela se levantou e foi até a janela. As árvores do parque em frente pareciam vibrar em câmera lenta, as folhas balançando com uma delicadeza quase perturbadora. O carteiro, uma figura familiar que aparecia sempre por volta das dez, ainda não dera as caras. Clara sabia que eram dez e quinze.

Seu coração martelava no peito, uma batida descompassada que parecia desafiar a lentidão do mundo exterior. O que estava acontecendo? Era estresse? Falta de sono? Uma doença misteriosa? A mente dela voava em direções que ela preferia não explorar.

Um barulho familiar, o riso agudo de uma criança brincando na rua, ecoou. Mas o som parecia vir de longe, abafado, como se estivesse imerso em uma água grossa. Clara encostou a testa no vidro frio da janela, sentindo o calor do sol contra a pele.

Quando o carteiro finalmente apareceu, com sua camisa azul desbotada e o boné surrado, Clara quase o chamou, como se estivesse ansiosa por um sinal de normalidade. Mas ele apenas se moveu com a lentidão de um fantasma, entregou as correspondências em uma casa vizinha e desapareceu, sem sequer olhar em sua direção.

Ela se virou, o livro ainda no colo, as páginas em branco em sua mente. O café esfriou na xícara sobre a mesinha. A sombra da janela, antes um padrão de luz reconfortante, agora parecia se arrastar, engolindo pedaços do dia. Clara sentiu um nó na garganta, uma mistura de medo e resignação. Estava presa em uma dimensão onde o presente se estendia infinitamente, e o futuro, o passado, tudo parecia se dissolver na imensidão desse tempo distorcido. E ela, sem saber como, precisava encontrar um caminho de volta. Se é que ele existia.


Por: Isabela Fernandes Couto

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