A sensação de que o chão está cedendo, mesmo em terreno firme.

A sensação de que o chão está cedendo, mesmo em terreno firme.

A GENTE SE EQUILIBRA

O cheiro do café recém-passado pairava no ar, um abraço familiar no apartamento de três cômodos no Bairro de Fátima. Mariana, em seus trinta e poucos anos, mexia distraidamente o açúcar na xícara fumegante, os olhos fixos no ponto onde a luz fraca da manhã beijava a poeira suspensa. De fora, o barulho ritmado dos carros na Avenida Frei Serafim anunciava mais um dia que começava, indiferente à quietude densa que a envolvia.

Era como se o chão, aquele piso de cerâmica fria e gasta que ela pisava todos os dias, tivesse perdido a solidez. Não um desmoronamento súbito, com rachaduras e gritos de pânico. Era mais sutil, insidioso. Um leve bamboleio a cada passo, uma inclinação quase imperceptível que a forçava a contrair os músculos, a prender a respiração, a se agarrar mentalmente a algo que não via nem sentia.

Há algumas semanas, o diagnóstico. O de sempre, eles disseram. Um nome comprido, um prognóstico incerto. E agora, a vida, antes previsível como o nascer do sol sobre a Lagoa do Mundaú, se tornara uma sucessão de dias em suspensão. Cada tarefa, do planejar o almoço à escolha da roupa, exigia um esforço descomunal, como se estivesse se movendo através de um campo de força invisível.

Seu marido, Pedro, era um porto seguro. Seus gestos eram calmos, sua voz, um bálsamo. Preparava o café, arrastava uma cadeira para mais perto dela na mesa, perguntava baixinho sobre o sono. Mas até ele, com toda a sua dedicação, não conseguia ancorá-la completamente. Ela sentia a terra fugir sob seus pés mesmo quando ele segurava sua mão.

Certo dia, na feira do Pajuçara, entre o aroma doce das mangas e o burburinho das negociações, ela se sentiu tonta. As barracas de artesanato pareciam balançar suavemente, os rostos dos vendedores se desfocavam em uma névoa de cores vibrantes. Agarrou-se à cestinha de vime com as mãos trêmulas, o coração martelando nas costelas. O vendedor de chapéus de palha, um senhor com rugas profundas e um sorriso acolhedor, notou seu pavor. Ele se aproximou, sem pressa.

“Dona, a senhora precisa de um banquinho? Posso arrumar um pra senhora sentar um pouco.”

Ela assentiu, a voz embargada. Sentou-se naquele banquinho improvisado, o sol quente na pele, sentindo-se estranhamente exposta. O chão continuava ali, firme sob as solas das sandálias, mas a sensação persistia. Era como se sua própria estrutura interna estivesse desmoronando, peça por peça, e o mundo exterior se recusasse a reconhecer essa fragilidade oculta.

Naquela noite, deitada ao lado de Pedro, ele sussurrou: “Você está bem?”

Mariana apenas olhou para o teto, para as minúsculas fissuras que ela via apenas por estar em constante estado de alerta. “Estou tentando me equilibrar, Pedro.”

Ela fechou os olhos, e por um instante, imaginou-se flutuando, leve, sem a necessidade de se segurar em nada. O que aconteceria se ela simplesmente parasse de lutar contra a inclinação? Deixaria cair a cestinha, a xícara de café, a mão de Pedro? E se, no fim, o chão cedendo fosse apenas o convite para aprender a voar em outro lugar? A pergunta, sem resposta, ecoava no silêncio do quarto, tão palpável quanto a própria ausência de solo firme.


Por: Catarina de Assis Mendonça

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