A sensação de que algo está respirando perto, mas não há ninguém.

A sensação de que algo está respirando perto, mas não há ninguém.

O Ronco Fino da Ansiedade

A luz amarela do abajur derramava uma poça morna sobre o travesseiro, mas não alcançava a escuridão onde Juliana sentia que algo se encolhia. Era de madrugada, o silêncio denso da Vila Madalena prestes a ser rompido pelo barulho inicial do caminhão de lixo e o latido distante de algum cachorro mais agitado. Mas ali, no seu quarto, o silêncio era diferente. Era pesado, úmido, quase palpável.

Ela se virou pela décima vez, o lençol grudando no suor que não vinha do calor, mas de uma febre interna que a consumia. E então, veio. Um sopro. Tão leve, tão fugaz, que ela duvidou se não tinha sido a própria respiração dela voltando para o rosto. Mas não era. Era um ar mais frio, com um cheiro sutil de terra molhada e algo mais, algo indefinível que a fazia arrepiar.

O coração acelerou, batendo contra as costelas como um pássaro enjaulado. Deu um pulo, sentando-se na cama, os olhos varrendo o quarto. O guarda-roupa escuro, a bicicleta encostada na parede, a pilha de livros na mesinha de cabeceira. Tudo familiar, tudo inofensivo. Mas a sensação persistia, como a de estar num ambiente fechado com uma corrente de ar que não deveria existir.

Tentou racionalizar. O cansaço. A crise que a assombrava no trabalho, a pressão do prazo final, a incerteza sobre o futuro daquela pequena livraria que ela tanto amava e que parecia afogar em boletos. Era isso. O estresse se manifestando de formas bizarras.

Mas o sopro veio de novo. Dessa vez, mais próximo, como se tivesse saído de trás da cortina, mesmo sabendo que a janela estava fechada. Um cheiro metálico se misturou ao da terra. Ela fechou os olhos com força, apertando os dedos nas bordas do colchão. Lembrou-se da avó, Dona Elza, sempre falando de “presenças” na casa, de “sinais”. Juliana nunca acreditou. Era superstição, coisa de gente que precisava de respostas fáceis para o que não entendia.

Agora, sentia-se exposta, desarmada. Pegou o celular, a tela fria iluminando o rosto. A última mensagem de Marcos: “Te amo. Durma bem.” Ele estava em São José dos Campos, trabalhando na obra da nova ponte. Tão longe. Tão seguro.

O ar pareceu se contrair. Era um som inaudível, mas que ela sentia na pele, nos ossos. Uma vibração suave, como o ronco de um animal adormecido muito perto, mas sem o calor, sem o peso. A respiração que não vinha de pulmões, mas de algo que se moldava ao contorno do quarto, se encolhia e se estendia nas sombras.

Com as mãos trêmulas, ela pegou o livro que estava lendo: “O Nome da Rosa”. Aventura, mistério, mas tudo confinado às páginas de papel. Levantou-se da cama, caminhando devagar para o lado da cortina. O coração martelava um ritmo frenético. Respirou fundo, sentindo o ar gelado tocar sua pele como um toque leve de dedos.

Abriu a cortina.

Nada. Apenas o asfalto molhado pela garoa fina da madrugada, as luzes fracas dos postes, os prédios vizinhos, silenciosos e adormecidos. E o vazio. Mas não o vazio ausente de tudo, e sim um vazio que parecia preenchido por uma ausência palpável.

A sensação não desapareceu. Continuou ali, pairando no ar do quarto, um segredo sussurrado pelo silêncio. Juliana se sentou de volta na cama, abraçando os joelhos. A ansiedade que antes era um monstro familiar, agora ganhava contornos estranhos, sussurrantes. Ela não sabia o que era, de onde vinha, mas sabia que não estava sozinha naquela imensidão vazia. E o ronco fino, quase imperceptível, continuava. Esperando.


Por: Ricardo Soares Guedes

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