A LÁGRIMA DE PEDRA DE ROSALINA
O sol pálido de Minas Gerais beijava as montanhas resignadas quando Rosalina, com as mãos calejadas e o rosto sulcado pelo tempo e pela poeira, suspendeu o peso da picareta. O som do metal encontrando a terra dura era a sinfonia de sua vida há mais de trinta anos. Um ritmo constante, monótono, pontuado apenas pelo canto distante de um bem-te-vi ou pelo resfolegar cansado de seu burro, o Trovão, que a esperava pacientemente na encosta.
Ela morava sozinha numa casinha de pau a pique, caiada de branco que o tempo e a umidade haviam tornado um tom desbotado de saudade. A única companhia era a memória do marido, o Seu Zé, que sonhara em achar o filão que os tiraria da lida sem fim. Mas o destino, caprichoso como sempre, levara-o cedo demais, deixando-a com o sonho inacabado e um pedaço de terra que parecia mais teimoso que a própria vida.
Naquele dia, porém, algo era diferente. A picareta, em vez do som seco e oco de sempre, produziu um ressoar vibrante, como um sino abafado. Curiosa, Rosalina se ajoelhou, seus olhos azuis, ainda vivos de esperança, focando a terra avermelhada. Cavou com cuidado, com a delicadeza de quem desvela um segredo. E então, ali, incrustado na rocha bruta, algo faiscou.
Não era ouro, nem diamante. Era algo que ela nunca vira. Uma pedra de um azul profundo, quase negro, mas com veios que pareciam capturar a luz do crepúsculo e aprisioná-la em seu interior. Tinha um brilho etéreo, hipnotizante. O coração de Rosalina disparou, não pela ganância que a pobreza teimava em sufocar, mas pela beleza pura, pela promessa de algo especial, um presente da terra para sua perseverança. Ela a chamou de “Lágrima de Pedra”, um nome que parecia sussurrar a dor e a esperança que a acompanharam por tanto tempo.
Passou a noite a observar a pedra, o fogo da lamparina dançando em seu semblante cansado. Imaginou o que faria com ela. Talvez uma joia para seu pescoço, um lembrete eterno de sua luta. Ou talvez vendê-la para ter um teto novo, comida farta, para não mais temer o inverno. Mas, acima de tudo, era a vitória silenciosa, a confirmação de que valera a pena cada dia de sol escaldante e de noite fria.
Na manhã seguinte, com a pedra cuidadosamente embrulhada em um pano, Rosalina decidiu levá-la à cidade vizinha. Queria o parecer de alguém que entendesse de minerais, de joias. Andou com Trovão pela estrada de terra batida, o sol começando a castigar. Sentia um misto de apreensão e orgulho.
Ao chegar na praça principal, onde o burburinho da vida era mais intenso, avistou o casarão imponente do Senhor Valdemar, o dono da mineradora que explorava as terras ao redor, deixando para trás apenas o pó e a devastação. Diziam que ele acumulava riquezas de forma voraz, sem se importar com as vidas que pisoteava.
Por um impulso, ou talvez por um desespero silencioso, Rosalina se dirigiu à portaria do casarão. Um guarda robusto a olhou de cima a baixo, o desprezo estampado em seu rosto.
“O que a senhora quer aqui?”, perguntou, a voz rouca e impaciente.
“Eu… eu tenho algo para mostrar ao Senhor Valdemar”, gaguejou Rosalina, o embrulho apertado nas mãos. “Algo… especial.”
Após muita insistência, e para sua surpresa, um dos capangas do Senhor Valdemar a conduziu para dentro, em meio a corredores opulentos e objetos de arte que a faziam sentir-se ainda menor. O Senhor Valdemar, um homem obeso, de olhar frio e um sorriso que não chegava aos olhos, a recebeu em seu escritório luxuoso.
Rosalina desenrolou o pano, expondo a Lágrima de Pedra. O brilho da pedra pareceu ofuscar por um instante a vaidade do rico industrial. Seus olhos, antes entediados, adquiriram um lampejo de cobiça. Ele a pegou, girando-a entre os dedos grossos, o toque quase vulgar em algo tão delicado.
“Interessante”, disse ele, a voz arrastada. “De onde tirou isso, velha?”
Rosalina contou sua história, a paixão de anos, o achado daquele dia. O Senhor Valdemar a ouviu com um silêncio que não inspirava confiança. Quando ela terminou, ele apenas sorriu de canto.
“Muito bem. Vou lhe dar uma boa quantia por isso. Algo que a fará mais confortável.”
Ele se dirigiu a uma gaveta, tirou um maço de notas e o jogou sobre a mesa. Rosalina olhou para o dinheiro, depois para a pedra em suas mãos. O valor era ínfimo perto do que ela sentia. A beleza, a esperança que a pedra representava.
“Senhor”, disse ela, a voz embargada, “esta pedra… ela tem valor para mim. Mais do que o ouro.”
O Senhor Valdemar ergueu uma sobrancelha. “Valor sentimental? Isso não paga as contas, minha senhora. Leve o dinheiro e vá para casa. E nunca mais volte aqui com esse tipo de conversa.”
Rosalina sentiu uma onda de revolta, fria e cortante, percorrer seu corpo. Ela viu o que era aquele homem, viu como ele transformava tudo em mercadoria, em lucro. Viu a Lágrima de Pedra, que deveria ser sua vitória, ser apenas mais um objeto a alimentar a ganância dele.
Com as mãos trêmulas, ela recolheu o dinheiro. Olhou para o Senhor Valdemar, para o desprezo em seu olhar. Em um gesto de desespero, ou de dignidade ferida, pegou a pedra do chão onde ele a deixara cair e a guardou de volta no pano.
“Não vendo minha esperança, Senhor”, disse ela, a voz firme, surpreendendo a si mesma. “Nem a beleza que a terra me deu.”
E saiu dali, deixando o rico industrial com sua avareza e seu olhar perplexo. Voltou para casa com Trovão, o peso no coração maior que o da picareta. A Lágrima de Pedra, agora, parecia carregar não apenas a esperança, mas também a amargura de uma luta desigual.
Naquela noite, sentada à luz da lamparina, Rosalina observou a pedra. Sua beleza ainda era estonteante, mas algo nela havia mudado. Tornara-se um símbolo. Um símbolo de tudo que ela lutou, de tudo que tentaram roubar.
De repente, um barulho na porta. Um estrondo. A madeira cedeu. Rosalina se assustou, o coração disparado. E então, sob a luz fraca, viu a silhueta de um homem invadir sua casa. E em sua mão, não uma picareta, mas algo que brilhava, capturando a luz da lamparina com um brilho ameaçador. O brilho de metal.
Rosalina apertou a Lágrima de Pedra contra o peito, um último ato de posse. O barulho dos passos se aproximava, ecoando no silêncio da noite mineira. E o ar rarefeito parecia carregar consigo não apenas o cheiro de terra e de lamparina, mas também o prenúncio de um novo assalto à sua solidão e à sua última esperança. O crepúsculo daquela Lágrima de Pedra estava apenas começando.
Por: Ricardo Soares Guedes

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