A armadilha elaborada que sai pela culatra para o assassino.
O Cheiro de Jasmim
O calor úmido grudava na pele de Roberto como uma segunda camada, um sudor que não vinha do esforço, mas da ansiedade. O ventilador do bar mal conseguia mover o ar abafado da noite carioca. Na mesa de canto, sob a luz amarelada de uma lâmpada defeituosa, ele esperava. O burburinho das conversas alheias, o tinir de copos, o aroma adocicado de fritura misturado ao sal do mar que teimava em invadir a Avenida Atlântica, tudo parecia amplificado, distorcido pela tensão que o envolvia.
Há semanas a ideia o corroía. A necessidade, um monstro faminto que roía as entranhas, o empurrava para isso. Não era um homem de atos impulsivos, Roberto. Planejava, calculava. A armadilha, pensou ele, era perfeita. Uma teia sutil de mentiras, chantagens e, se preciso fosse, uma “coincidência” bem planejada. O alvo, um homem sem escrúpulos que ameaçava a vida que ele, com tanto custo, havia construído. Uma vida pequena, simples, mas sua. A mãe doente, o aluguel atrasado, a ameaça velada que pairava como um espectro.
Ele bebeu um gole da cerveja morna. O amargor familiar pouco aliviava o gosto acre na boca. Olhou para o relógio. Mais dez minutos. O tempo parecia se arrastar, cada segundo uma gota de chuva que caía lentamente, marcando a passagem para o inevitável. Lembrou-se do cheiro de jasmim que a mãe exalava quando estava feliz, um perfume doce e delicado que ele raramente sentia nos últimos tempos. Essa memória era o combustível, a justificação silenciosa que ele repetia para si mesmo.
A porta do bar se abriu com um rangido, trazendo uma rajada de ar mais fresco e o som mais alto da rua. Seus olhos fixaram-se na figura que adentrava. Não era ele. Era uma mulher. Jovem, com um vestido florido que dançava em suas pernas finas. Trazia nos olhos uma doçura ingênua, um brilho que parecia pertencer a um mundo distante daquela realidade suja. Ela sorriu, um sorriso que não era para ele, e sentou-se em uma mesa próxima. Roberto desviou o olhar, um suspiro preso na garganta.
A noite avançava. As conversas diminuíam. A música do rádio parecia mais melancólica. Roberto sentiu um frio na espinha, um prenúncio que nada tinha a ver com o ventilador. Ele esperara pela pessoa errada? A informação viera de onde? Uma voz anônima, uma promessa de solução fácil. Mas a facilidade, ele sabia, era a isca mais perigosa.
Então, ele a viu. A figura que ele esperava. Um homem corpulento, com um olhar cínico que parecia já ter visto tudo e não ter gostado de nada. Ele se aproximou da mesa de Roberto, um sorriso maroto nos lábios.
“Veio sozinho, meu caro?” A voz era grave, um ronco que parecia emanar de uma garganta áspera.
Roberto sentiu um arrepio percorrer sua nuca. O homem sentou-se à sua frente, sem ser convidado.
“Eu… sim”, respondeu Roberto, a voz embargada pela tensão.
“Gostou da minha oferta? Uma solução limpa, sem pontas soltas.” O homem riu, um som seco e desagradável. “Você, em troca, me faria um favorzinho. Algo que a mim seria… complicado.”
Roberto olhou para o homem, para o brilho cruel em seus olhos. Percebeu, com um aperto no peito, que a armadilha não era para o inimigo. A armadilha fora montada para ele. Ele era a isca, a peça a ser sacrificada em um jogo muito maior e mais sujo do que imaginava. O homem começou a falar sobre os detalhes do “favorzinho”, mas Roberto já não o ouvia. Seus ouvidos estavam tomados pelo som distante do mar, e em sua mente, um único e persistente pensamento ecoava: o cheiro de jasmim de sua mãe, cada vez mais fraco, cada vez mais distante. O ventilador continuava a girar, um ciclo vicioso no tempo parado, enquanto o destino de Roberto se desenrolava em meio ao aroma de fritura, sal marinho e um medo crescente.
Por: João Pedro Silveira

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