Uma jovem com medo de escuro descobre que sua casa está sendo habitada por espíritos de seres de outros planetas.

Uma jovem com medo de escuro descobre que sua casa está sendo habitada por espíritos de seres de outros planetas.

NOITE DE ESTRELAS TROPICAIS

O zumbido do ventilador de teto, lento e moroso sob o abafamento da noite de janeiro, era o único som a tentar diluir o silêncio pesado que se instalava no quarto de Clara. A luz amarelada da luminária de cabeceira, um sol artificial minúsculo, parecia mais um convite ao escuro que ela tanto temia do que um refúgio. As sombras, longas e dançantes, esticavam-se pelas paredes onde antes repousavam os pôsteres desbotados de bandas que não ouvia mais. Aos vinte e dois anos, Clara ainda se sentia cativa daquele medo infantil, um receio que a obrigava a deixar a porta do quarto semiaberta, um fio de luz da sala a esperá-la.

Na rua, o latido intermitente de um cachorro perdido e o som distante de um carro passando eram a trilha sonora familiar do bairro em São Gonçalo. O cheiro de terra úmida após uma chuva passageira e o perfume adocicado do jasmim que invadia o quintal vizinho eram companhias constantes, mas naquela noite, pareciam distantes, sufocados por algo mais.

Começou sutil. Um arrastar leve no assoalho da sala, como se Dona Joana, a vizinha idosa, tivesse esquecido algo e voltado para buscar. Clara se encolheu sob o lençol, o coração martelando um ritmo descompassado contra as costelas. Depois, um sopro gélido, sem a brisa do ventilador, que arrepiaou os pelos de seus braços. O jasmim, antes reconfortante, agora parecia exalar um aroma estranho, quase metálico.

O primeiro vislumbre foi no corredor, quando saiu para beber água, impulsionada pela sede e por uma coragem forjada no desespero. Uma luz suave, azulada, pulsando timidamente no canto da sala de estar. Não era a TV, não era o celular. Era algo etéreo, que parecia flutuar a centímetros do chão. E, dentro dessa luz, formas. Formas que não pertenciam a nada que ela já tivesse visto. Criaturas esguias, com membros delicados que se moviam com uma lentidão hipnotizante. Não eram assustadoras, eram… delicadas. E a sensação que emanava delas não era de ameaça, mas de uma curiosidade infinita.

Nos dias seguintes, a presença se tornou mais audível, mais visível. Sons que lembravam assobios melódicos e suaves, harmônicos, que pareciam se entrelaçar com o barulho do cotidiano: o chiado do pastel na feira da esquina, o grito do vendedor de picolé, a sineta da igreja aos domingos. As formas, agora, eram mais nítidas. Uma delas, alta e com uma silhueta que lembrava uma garça, às vezes flutuava perto da janela do quarto, observando as estrelas que, para Clara, sempre foram pontos de interrogação em um céu escuro.

O medo, no entanto, não desapareceu de imediato. A ansiedade que a sufocava nos dias era substituída, à noite, por uma apreensão latente. Mas a curiosidade, essa sim, começou a ganhar terreno. Ela deixava a porta mais aberta, a luz da luminária mais baixa, como um convite tímido. Tentava decifrar os assobios, sentindo que havia ali uma linguagem, uma comunicação. Uma noite, a forma mais esguia se aproximou do seu quarto. Parou no limiar da porta aberta. Clara prendeu a respiração, o corpo rígido. Sentiu um calor suave emanar da criatura, um calor que não queimava, mas acariciava. E, pela primeira vez, não sentiu medo. Sentiu… reconhecimento. Uma sensação antiga, profunda.

O dilema começou a se instalar em sua mente. Eram espíritos? Eram alienígenas? Eram fantasmas de outro mundo? A lógica racional lutava contra o que seus sentidos captavam. Sua mãe, Dona Lúcia, mulher prática e resiliente, jamais acreditaria. A culparia pelo cansaço, pelas noites mal dormidas. Clara se sentia cada vez mais isolada em sua nova realidade. A necessidade de compartilhar, de entender, era um peso crescente. Ela passava horas no computador, buscando por relatos de avistamentos, por teorias sobre vida extraterrestre, mas nada parecia se encaixar naquele silêncio melódico, naquela luz azulada e suave.

Em uma tarde chuvosa, o ar carregado com o cheiro de asfalto molhado e de pão quente saindo da padaria da rua, Clara estava sentada na varanda. A garça luminosa flutuava a poucos metros, observando as gotas que deslizavam pelo parapeito. De repente, um dos assobios pareceu mais claro, mais direcionado. Era um som que lembrava o nome dela, mas distorcido, transliterado para uma melodia. Clara sentiu um arrepio, mas não de medo. Era um chamado. Um convite para ir além da porta, para além das sombras que tanto a assombravam.

Naquela noite, o medo não a prendeu sob o lençol. Ela se levantou, e a luz azulada na sala parecia brilhar com mais intensidade. A garça luminosa flutuava mais perto da porta da sala. Clara caminhou até ela, o coração batendo uma mistura de temor e fascínio. As sombras no corredor, antes inimigas, agora pareciam apenas silêncios esperando para serem preenchidos por novas melodias. Ela olhou para a luz, para a forma esguia. Uma escolha se apresentava, clara e desafiadora. Era o limiar de um universo que se abria, não com trovões e explosões, mas com assobios suaves e luzes gentis. E o que viria depois, Clara, por mais que a ânsia a puxasse para dentro, não sabia dizer.


Por: Catarina de Assis Mendonça

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