A Melodia Sombria do Silêncio
As cordas do violão pareciam emudecer sob os dedos de Lucas. Não era o cansaço, nem a frustração de uma nota errada. Era um silêncio denso, opressor, que se instalara em sua alma e no pequeno apartamento alugado em Vila Mariana. O cheiro de mofo nas paredes úmidas, o barulho incessante dos carros lá fora, a poeira que se acumulava sobre a prateleira onde antes descansavam partituras rabiscadas com a urgência da inspiração. Agora, apenas o vazio.
Ele se lembrava de quando a música brotava fácil, como um rio caudaloso. Melodias que dançavam em sua mente, harmonias que se desdobravam como flores ao sol. Compositor promissor, já sentia o perfume do sucesso. Mas algo se partiu. Uma noite, após um show frustrado, um silêncio diferente veio. Não era a ausência de som, mas uma voz sutil, rastejante, sussurrando em seu ouvido.
“Eles não te entendem, Lucas. Nunca entenderam.”
No começo, ele a ignorou, atribuindo à exaustão. Mas a voz persistia, ganhando contornos, ganhando vida. Não era uma voz agressiva, mas sedutora, insinuante. Encontrara em seu desespero um terreno fértil. Começou a chamá-la de “Sombra”. Sombra não falava em palavras claras, mas em sensações, em imagens. Sugeria que a arte precisava de sacrifício, que a verdadeira expressão nascia da dor, da transgressão.
Lucas se afastou dos amigos. Aos poucos, sua mãe, dona Clara, notava a mudança. Seu menino, antes vibrante, agora parecia um fantasma em sua própria casa. “Filho, você está bem? Comeu alguma coisa?”, perguntava, a preocupação tingindo sua voz suave. Ele apenas balançava a cabeça, os olhos fundos fixos em algum ponto invisível.
Sombra começou a pedir coisas. Pequenas coisas, a princípio. Jogar fora os objetos que o lembravam de sua antiga criatividade. Quebrar o violão que outrora amava. O primeiro ato foi um sobressalto, um grito de angústia abafado pela voz sussurrante que lhe dizia: “Isso é libertador. Eles te prendiam.”
O desespero se aprofundava, e com ele, a influência de Sombra. Uma tarde chuvosa, o som dos pingos na vidraça ecoava como batidas sinistras. Sombra o impulsionou a ir até a casa do vizinho, um senhor idoso e solitário que o irritava com seu rádio alto. A porta estava entreaberta. Lucas entrou, o coração martelando, as mãos suando frio. Não havia mais música em sua alma, apenas um eco sombrio, um desejo estranho de silenciar tudo que o incomodava, de impor sua própria dissonância ao mundo.
Na rua, a garoa fina molhava o rosto de Lucas. Ele olhou para trás, para o prédio escuro, para a janela onde antes se misturavam os sons da vida. A voz de Sombra estava mais forte agora, uma melodia distorcida que embalava seus pensamentos. A inspiração tinha sido substituída por algo mais primitivo, algo que o empurrava para um abismo de onde não sabia se conseguiria sair. O violão jazia no chão, as cordas estilhaçadas, um silêncio ensurdecedor a ocupar o espaço antes preenchido por melodias. E Lucas, à mercê da Sombra, caminhava para onde ela o levava, para um futuro incerto, tingido pela escuridão que agora residia em seu peito.
Por: Isabela Fernandes Couto

Deixe um comentário