Uma jardineira que cultiva um jardim de ervas medicinais, que é destruído por inveja.

Uma jardineira que cultiva um jardim de ervas medicinais, que é destruído por inveja.

O Sussurro Verde Pisoteado

O sol da manhã beijava as pequenas folhas de hortelã que Dona Cecília tanto amava, antes mesmo que o orvalho se dissipasse. Seu quintal, um pedaço de paraíso urbano em meio ao cinza do bairro da Vila Esperança, era mais do que um jardim; era um santuário. Uma sinfonia de aromas e cores: o alecrim forte que trazia lembranças da infância, o boldo para as dores de estômago que afligiam a vizinhança, a erva-cidreira acalmando os nervos de quem passava a tarde em seu portão.

“Cada planta tem seu segredo, meu filho”, dizia Dona Cecília, as mãos calejadas mas gentis, enquanto arrancava uma folha de guaco para um chá contra a tosse que teimava em atormentar o seu neto, Lucas. Aos 72 anos, com o corpo cansado mas o espírito vibrante, ela não vendia suas ervas. Compartilhava. Um punhado para a Dona Fátima, que sofria de insônia; um ramo para o Seu Antônio, que precisava de um reforço para a memória. Seu jardim era a farmácia da comunidade, um gesto de amor que transcendia a necessidade.

Moradora do bairro há quarenta anos, Dona Cecília viu a Vila Esperança crescer, mudar. Viu o progresso chegar, mas também a desigualdade se aprofundar. Viu vizinhos se transformarem em estranhos, a cordialidade se esvair sob o peso das dificuldades. Mas em seu quintal, as ervas continuavam a prosperar, um testemunho silencioso de que a bondade ainda podia florescer.

Até aquela manhã. A manhã em que o cheiro suave da lavanda foi sufocado por um rastro de destruição. Gritos de desespero ecoaram pela rua quando Dona Cecília abriu a porta da cozinha. Não havia roubo, não havia pichação. Havia um silêncio violento, uma barbárie sem motivo aparente. Todas as ervas, todas as plantas que ela cuidara com tanta dedicação, haviam sido pisoteadas, arrancadas, devastadas. Os vasos quebrados, a terra revirada. O santuário profanado.

“Por quê? Quem faria algo assim?”, as lágrimas escorriam pelo rosto marcado pelo sol e pela dor. “Eu nunca fiz mal a ninguém. Só queria ajudar.” Seu neto Lucas, de apenas oito anos, chorava inconsolável ao seu lado, abraçando um pequeno ramo de manjericão que por um milagre escapou da destruição.

A notícia se espalhou como fogo na palha. A revolta tomou conta dos vizinhos. Dona Fátima, com os olhos vermelhos de raiva contida, desabafou: “Isso é coisa de gente doente, de gente que não tem o que fazer. Dona Cecília é um anjo aqui no bairro. Quem fez isso… que o capim não lhe nasça na sepultura.”

O delegado Silva, um homem que já vira de tudo nas ruas de São Paulo, tentava acalmar os ânimos. “Estamos investigando, Dona Cecília. Mas é difícil encontrar motivos para algo assim. Não parece ter sido um roubo.” Ele olhava para os restos do jardim, para a desolação no olhar da senhora, sentindo a impotência de quem não consegue combater a maldade pura.

Havia murmúrios no beco. Sussurros sobre inveja, sobre ressentimento. Alguém comentou, com a voz baixa, sobre a atenção que Dona Cecília recebia, sobre a admiração que o seu trabalho inspirava. Seria possível que tamanha bondade despertasse tanta maldade? Que a simplicidade e a generosidade de uma idosa pudessem ser o alvo de uma vingança tão cruel?

Nos dias que se seguiram, a Vila Esperança se uniu em torno de Dona Cecília. As vizinhas trouxeram seus próprios vasos de plantas, seus próprios punhados de terra. O Seu Antônio, com a memória ainda falhando um pouco, mas com a força de vontade intacta, apareceu com ferramentas e ajudou a limpar o estrago. Aos poucos, com as mãos de todos, o jardim começou a renascer. Uma nova lavanda foi plantada, um novo alecrim germinou. Mas a cicatriz da destruição, e a pergunta sobre quem plantou a semente da maldade, permaneciam.

E a pergunta ecoava no coração de muitos: em um mundo onde a compaixão é um ato de resistência, até onde chega a escuridão da inveja, capaz de pisar sobre o mais singelo dos floresceres?


Por: Felipe Bastos Guimarães

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