Um mapa antigo que leva a um lugar que não deveria existir.

Um mapa antigo que leva a um lugar que não deveria existir.

**O MAPA QUE DESAFIA O TEMPO: O RASTRO DE UM POVO ESQUECIDO NA SERRA DO MAR**

A poeira dança nos raios de sol que teimam em penetrar na janela empoeirada da casa de Dona Carmelina, uma senhora de 87 anos com olhos que já viram o fim de um século e o começo de outro. Sentada em sua velha poltrona de vime, ela segura com mãos calejadas um pergaminho amarelado, cujas linhas desbotadas parecem sussurrar segredos ancestrais. Não é um mapa de tesouro, desses que a gente lê em histórias de piratas. Este é o mapa de um lugar. Um lugar que, segundo a lógica e a geografia que aprendemos, não deveria existir.

“Meu avô, Seu Jeremias, dizia que era herança de índios que viviam aqui muito antes de chegar qualquer branco”, conta Dona Carmelina, a voz embargada pela emoção. “Ele encontrou escondido numa gruta, lá pras bandas do Morro das Onças. Um lugar que só ele e mais ninguém mais sabia chegar.”

O mapa é rudimentar. Feito de um material que lembra couro curtido, exibe contornos de montanhas que se assemelham à Serra do Mar, mas com uma precisão de detalhes que intriga cartógrafos. Rios desenhados com traços finos, cachoeiras que parecem fluir do papel e, no centro, um símbolo enigmático: um círculo com um ponto dentro, rodeado por três linhas curvas. Abaixo, em uma caligrafia peculiar, quase arcaica, uma única palavra em uma língua desconhecida.

O contexto é fundamental. A Serra do Mar, essa muralha verde que abraça a costa brasileira, é palco de histórias de migrações, de lutas e de resistências. Povos originários foram dizimados, suas terras tomadas, suas culturas silenciadas. O que restou são fragmentos, lendas e, talvez, lugares escondidos que guardam a memória do que foi.

“A gente morava no pé da serra, naquela época, as coisas eram mais difíceis”, relembra João, pescador aposentado, vizinho de Dona Carmelina. “Seu Jeremias era um sujeito quieto, mas tinha uma sabedoria que assustava. Falava que o mapa era um aviso. Um aviso pra não mexer num lugar sagrado, que a terra guardava seus segredos.”

A curiosidade, porém, é um motor potente. Um jovem historiador da Universidade Federal de São Paulo (USP), Dr. Artur Guimarães, tomou conhecimento do mapa através de Dona Carmelina, após um artigo sobre a preservação da memória local. Ele passou semanas em São Sebastião, vasculhando arquivos, entrevistando moradores antigos, tentando decifrar a linguagem e os símbolos.

“É fascinante e desconcertante”, admite Dr. Guimarães, com os olhos brilhando de excitação e frustração. “As feições geográficas do mapa, ainda que estilizadas, batem com alguns trechos da Serra do Mar que são de difícil acesso. Mas o ponto central, aquele símbolo, e a localização exata que ele sugere… não há registro histórico de nenhuma aldeia ou comunidade que tenha se estabelecido ali. Não há vestígios arqueológicos. É como se fosse um oásis no deserto da história.”

Ele tem uma teoria: e se esse mapa não indicar um lugar físico como o conhecemos, mas um portal? Um ponto de encontro com outra dimensão, um refúgio de um povo que escolheu se retirar do mundo? Ou, mais sombrio ainda, um local de um cataclismo, uma memória gravada na terra que a própria natureza tentou apagar?

A vida em São Sebastião segue seu ritmo. O cheiro de maresia se mistura ao do café fresco, os barcos descansam nos trapiches. Mas, para Dona Carmelina e para Dr. Guimarães, o mapa trouxe uma nova melodia à sinfonia cotidiana. Uma melodia de mistério e de possibilidade.

“Eu nunca fui lá, nem meu avô me levou”, confessa Dona Carmelina, olhando para o horizonte, para as montanhas imponentes que escondem seus segredos. “Ele dizia que era melhor assim. Que certas coisas não foram feitas para serem descobertas por nós. Mas a vontade de saber… essa é uma coisa que a gente carrega pra sempre.”

O mapa antigo repousa sobre a mesa, um convite mudo a desvendar o inexplicável. Um convite a questionar o que consideramos real, o que acreditamos conhecer sobre a terra em que vivemos e sobre os que vieram antes de nós.

E se o mapa de Dona Carmelina não for apenas um pedaço de couro envelhecido, mas a chave para um capítulo esquecido da história humana, onde ele nos levaria, e o que encontraríamos ao final dessa jornada impossível?


Por: Felipe Bastos Guimarães

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