Um ferryboat que viaja para um destino desconhecido e horripilante.
**O Último Porto: Uma Odisseia para o Esquecimento**
O sol da manhã, ainda hesitante sobre a Baía de Guanabara, tingia de dourado as águas que lambiam o casco enferrujado do “Estrela Cadente”. Um nome irônico para uma embarcação que, nos últimos dias, se tornou o prenúncio de algo sombrio, um gigante adormecido que lentamente desperta para um destino que ninguém ousa nomear. A rotina a bordo, antes marcada pelo cheiro de maresia, café forte e o burburinho de passageiros ansiosos por chegar ao seu destino, transformou-se num silêncio opressor, onde o único som constante é o gemido do metal contra as ondas e o sussurro do vento que parece carregar preces perdidas.
“Era pra ser só mais uma viagem, sabe?”, diz Dona Lurdes, 68 anos, as mãos enrugadas apertando um lenço desbotado. Seus olhos, outrora vibrantes, agora carregam a melancolia de quem viu o tempo escoar como água em ralo. Ela viajava para reencontrar a neta em Niterói, uma visita que se transformou em um pesadelo sem fim. “A gente ouvia uns boatos, uns cochichos. Que a viagem tava demorando mais que o normal, que o capitão tava estranho. Mas a gente pensa que é só conversa de pescador, né?”
As primeiras semanas foram de relativa normalidade, apesar do atraso inexplicável. A comida, antes farta e preparada com o carinho de sempre, tornou-se escassa e sem gosto. As luzes, que antes iluminavam os corredores com um calor acolhedor, agora piscavam intermitentemente, mergulhando o ferry em uma escuridão sinistra por longos períodos. Os tripulantes, antes sorridentes e prestativos, agora se moviam como fantasmas, com os rostos pálidos e os olhos vazios, evitando qualquer contato visual.
“O mar mudou”, confessa Seu Antônio, um marinheiro de longa data, sua voz rouca mal audível por cima do barulho das ondas. Ele não revela seu sobrenome, como se temesse ser identificado. “Parece que ele não quer que a gente vá pra lá. As ondas ficam mais altas, o céu fica escuro de repente. A gente vê umas coisas no horizonte que não deveriam estar lá. Coisas que a gente tenta esquecer, mas elas ficam martelando na cabeça.”
O que eram “coisas”? Ninguém arrisca detalhar. Sussurros falam de formas indistintas que se movem sob a água, de cânticos estranhos que ecoam na neblina, de uma sensação avassaladora de pavor que se instala quando o sol se põe. Os passageiros, antes unidos pela necessidade de alcançar um destino, agora se isolam em seus pequenos cubículos, o medo rompendo os laços de humanidade.
Mariana, uma jovem estudante de artes que voltava de um intercâmbio, descreve o silêncio como um inimigo. “É o pior. O silêncio faz você pensar demais. Eu vejo as pessoas nos corredores, olhando pro nada. A gente não sabe mais o que acreditar. Uns dizem que é uma tempestade que nos desviou, outros falam de algo mais antigo, mais sombrio. Eu só sei que quero ir pra casa.”
As notícias da terra firme cessaram há dias. Os celulares não têm sinal. A esperança de resgate se esvai a cada milha náutica percorrida em direção ao desconhecido. O “Estrela Cadente” não para, impulsionado por uma força invisível, levado a um lugar onde as rotas conhecidas se perdem e a civilização se torna uma memória distante. A cada dia que passa, a linha entre a realidade e o pesadelo se torna mais tênue, e o medo se transforma em resignação.
Será que o “Estrela Cadente” cruzou um portal para outra dimensão? Ou será que a própria natureza, em sua fúria incontrolável, decidiu punir aqueles que ousaram navegar em águas proibidas?
Onde o “Estrela Cadente” realmente vai aportar, e quem, ou o quê, espera por eles em seu último, horripilante destino?
Por: Silas Thorne, o Cronista do Insólito

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