Um casal em um motel isolado onde os outros hóspedes não são o que parecem.

Um casal em um motel isolado onde os outros hóspedes não são o que parecem.

Motel da Bruma

O cheiro acre de desinfetante misturado ao do mofo que pairava no ar pesado do quarto era o primeiro aviso. Lia apertou a mão de André, um gesto que parecia mais uma súplica silenciosa do que um afago. O motel, um desses esqueletos abandonados à beira de uma estrada secundária poeirenta do interior, era a última esperança deles. Um refúgio precário para um respiro depois da briga monumental, daquelas que deixam as palavras como cacos de vidro no estômago.

As paredes finas deixavam vazar um eco constante de vozes ininteligíveis, risadas nervosas e, ocasionalmente, um gemido abafado. André, com a testa franzida, tentava focar no programa de TV mudo, as luzes piscando em um ritmo perturbador na tela de tubo desbotada. Lia, por outro lado, não conseguia desviar o olhar da janela, onde a luz fraca de um poste enferrujado pintava sombras dançantes no mato seco.

“Você acha que… eles estão bem lá fora?”, perguntou Lia, a voz embargada, referindo-se aos outros hóspedes. Uma família barulhenta de seis pessoas que ocupava o quarto ao lado, um homem sozinho com um chapéu que parecia ter vindo direto dos anos 50, e um casal jovem que se movia em silêncio, os olhares fixos no chão.

André suspirou, o som quase engolido pela umidade do ambiente. “Estão todos buscando alguma coisa, Lia. Ou fugindo de alguma.” Ele não disse, mas Lia sentiu. Fugindo de si mesmos.

O barulho do lado pareceu intensificar-se. Um grito estridente, seguido de um baque surdo. O coração de Lia disparou. André se levantou, os punhos cerrados, pronto para ir confrontar, mas uma batida suave na porta o fez congelar.

Era a moça do casal silencioso. Os olhos dela, grandes e assustados, encontraram os de André e Lia. Ela segurava um pequeno embrulho de pano. “É para vocês”, sussurrou, a voz rouca. “Comam. E… não abram as cortinas à noite.”

Antes que André pudesse formular uma pergunta, ela desapareceu. Lia pegou o embrulho. Dentro, havia pão caseiro, queijo fresco e uma garrafa pequena de suco de laranja. O cheiro era reconfortante, quase familiar, mas a apreensão não diminuía.

O silêncio que se seguiu foi mais pesado que antes. André voltou a sentar-se, mas seus olhos estavam fixos na porta. Lia começou a desembrulhar o pão. O sabor era doce, terroso. Um gosto de infância perdida. Enquanto comiam, ouviram a porta ao lado se abrir. Um homem, com um sorriso largo demais, convidou os outros hóspedes para “uma festa particular”. Os sons de risadas, agora um pouco mais altos e menos nervosos, ecoaram.

Lia e André se entreolharam. Havia algo de falso naquela melodia repentina de alegria forçada. O que estaria por trás daquelas paredes, sob a capa de um refúgio de beira de estrada? O suco de laranja tinha um gosto amargo, um resíduo metálico que não desaparecia. O homem do chapéu sumiu para dentro do seu quarto. A família barulhenta, agora em silêncio. E o casal silencioso…

André pegou a mão de Lia novamente. Desta vez, não era súplica. Era um pacto silencioso. Eles estavam ali, juntos, naquele espaço minúsculo, envoltos pela umidade, pelo cheiro de desinfetante e mofo, e pelas histórias não contadas dos outros. O que eles buscavam ou de que fugiam, Lia não sabia. Mas sabia que, naquele momento, a única certeza era a presença um do outro, um farol incerto na bruma que engolia o motel. E a pergunta que pairava, mais insistente que o cheiro do mofo, era: quem, afinal, eram eles? E quem se tornariam, ao amanhecer?


Por: Marina Rocha Antunes

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