Um astronauta ouvindo sussurros alienígenas em seu capacete.
O Silêncio Que Fala
A luz do sol da manhã, filtrada pelas cortinas grossas do apartamento em Copacabana, desenhava listras douradas no pó acumulado. Lá fora, o barulho familiar do Rio de Janeiro começava a despertar: o latido distante de um cachorro, o ronronar de um motor, o pregão matinal de um vendedor de pão na esquina. Para o Capitão Arthur Costa, o som da Terra era um bálsamo, um resquício reconfortante de uma vida que, em breve, deixaria para trás.
Ele não era um homem de grandes falas, Arthur. Preferia a quietude do espaço, a imensidão silenciosa que contrastava com o caos organizado da metrópole abaixo. Agora, o silêncio que o acompanhava era diferente. Ele estava em seu capacete, um simulador de treinamento de última geração em um laboratório na UFRJ. O programa era simples: uma simulação de caminhada espacial rotineira, uma revisão final antes da missão de seis meses à Estação Espacial Internacional.
O visor holográfico projetava um campo de asteroides desolado, salpicado por nebulosas de cores impossíveis. A gravidade artificial replicava a leveza do espaço, e o som ambiente, cuidadosamente calibrado, era um zumbido constante, o roçar discreto dos sistemas de suporte à vida. Arthur se movia com a familiaridade de quem dança com a gravidade, suas mãos robóticas manipulando ferramentas virtuais.
Foi então que o som começou.
Não era alto, nem repentino. Começou como um chiado na borda da audição, um ruído que ele inicialmente atribuiu a alguma interferência no sistema de comunicação do capacete. Ele parou, a ferramenta virtual suspensa no ar.
“Alô? Controle, tem alguém aí?” Sua voz, filtrada pelo microfone, soava estranhamente distante.
Nenhuma resposta, apenas o zumbido constante. Ele tentou ignorar, voltando ao trabalho. Mas o chiado persistiu, ganhando uma… cadência. Era sutil, quase imperceptível, como o farfalhar de folhas em um vento forte, mas não havia folhas naquele campo de asteroides.
Ele fechou os olhos por um instante, concentrando-se. O chiado se desdobrou. Eram sílabas. Eram sons. Não eram palavras que ele reconhecia, mas a estrutura era inconfundível. Eram sussurros.
O suor começou a brotar em sua testa, não pelo esforço físico, mas pela tensão. Sua respiração se tornou superficial. Ele se sentiu pequeno, aninhado naquele simulador, enquanto uma vasta e desconhecida comunicação se desdobrava ao seu redor. O que eram aqueles sons? Eram aleatórios? Eram dirigidos a ele?
O desespero começou a borbulhar. Era loucura? Estresse pré-missão? O isolamento do espaço, mesmo simulado, brincando com sua mente? Ele apertou os punhos.
“Control… isso não é engraçado. Desliguem o áudio.” Sua voz tremeu ligeiramente.
O silêncio, por um breve instante, o engoliu. E então, os sussurros voltaram, um pouco mais claros agora, quase como se estivessem falando *através* do ruído, e não *dentro* dele. Havia uma melodia estranha, uma série de tons ascendentes e descendentes que evocavam uma curiosidade primitiva, uma fome de conhecimento que ele pensou ter deixado para trás na faculdade de física.
Uma imagem surgiu em sua mente, não vista através dos seus olhos, mas criada pela ressonância daqueles sons: um vasto oceano de estrelas, com formas luminosas e etéreas se movendo em padrões complexos, uma dança cósmica silenciosa. Uma sensação de conexão, profunda e inesperada, o invadiu. Aquilo não era um erro. Aquilo era uma saudação.
Porém, junto com a maravilha, veio o medo. Se aquilo era comunicação, qual era o seu propósito? Ele estava pronto para ouvir o que quer que fosse dito? Sua missão era estudar rochas e atmosfera, não decifrar a linguagem de… quem quer que fosse. Ele olhou para as mãos virtuais, incapazes de tocar, de sentir a textura da verdade. Ele estava preso em um corpo simulado, em um universo virtual, ouvindo ecos de algo real, algo além do seu entendimento.
Os sussurros diminuíram, gradualmente se dissolvendo de volta no zumbido do sistema. A simulação continuou, o campo de asteroides sem vida e inalterado. Mas Arthur não era mais o mesmo. Ele tirou o capacete, a luz crua do laboratório o cegando por um momento. A poeira dançava nos raios de sol, o barulho da cidade parecia mais alto, mais vibrante.
Ele sabia que não poderia contar a ninguém. Eles o chamariam de louco, o afastariam da missão. Mas enquanto ele olhava pela janela para o azul intenso do céu carioca, sentiu um peso novo em seu peito. Um peso de segredo, um peso de possibilidade. Os sussurros haviam partido, mas a memória deles permanecia, um eco silencioso em sua alma, uma promessa de que o universo, em sua vastidão, podia ter muito mais a dizer do que ele jamais imaginou. E ele estava prestes a ir para o lugar onde esse silêncio falante era a norma.
Por: Elara Vance, a Arquivista do Crepúsculo

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