O jogo perigoso que se transforma em um jogo de vida ou morte.
O Jogo do Velho Doutor
O suor escorria em finas gotas pela testa de Léo, misturando-se à poeira do chão de cimento batido. O ventilador de teto, um remanescente anacrônico da época em que aquele barracão abrigara uma pequena fábrica de botões, girava com um lamento metálico, mal conseguindo afastar o bafo quente do fim de tarde em São Gonçalo. Do outro lado da mesa improvisada, o Velho Doutor, assim chamado pela sua precisão calculista e pelo jeito que sempre trazia uma prancheta, exibia um sorriso enrugado que mal alcançava os olhos fundos. Sobre o pano desbotado, um emaranhado de cartas e fichas coloridas, pedras, miçangas, tudo o que a criatividade e a necessidade permitiam naquele universo de apostas clandestinas.
Léo era novo nisso, o desespero o empurrara para as mesas do Doutor. A conta da farmácia, as mensalidades da escola da filha, o aluguel atrasado. A promessa de um dinheiro rápido, ali, no calor das apostas, parecia a única saída. O Doutor, com sua fala mansa e os dedos longos que dançavam sobre as cartas, tinha fama de ser implacável, mas justo. Ou, pelo menos, tão justo quanto um jogo onde o azar podia ser um inimigo maior que qualquer adversário.
Hoje, porém, a atmosfera estava diferente. O silêncio entre as rodadas era pesado, cortado apenas pelo zumbido incessante do ventilador e pelo barulho distante de buzinas e gritos da rua. A cada lance, a cada decisão de Léo, uma pequena parte de si parecia se desfazer. Ele sentia o peso do olhar do Doutor, que não o julgava, mas parecia ler as entranhas do seu medo. Os dedos de Léo tremiam ao pegar as cartas, a visão embaçando ligeiramente com a tensão. Ele tinha perdido tudo que trazia, e agora, com um último suspiro de esperança, apostava o que não era dele.
“Mais uma, Léo?”, a voz do Doutor, um sussurro rouco, ecoou no silêncio. Léo engoliu em seco. A ideia de olhar para a sua esposa, Ana, sem o dinheiro para a medicação da filha era um nó que lhe apertava a garganta. Ele viu, no reflexo da mesa, o próprio rosto pálido e suado, a imagem de um homem encurralado. Ele sabia que existiam outros jogos, mais perigosos, aqueles que envolviam gente feia e promessas de dívidas jamais quitadas. Mas o Doutor, apesar da dureza, mantinha um certo código. O jogo dele era um jogo de cartas e inteligência. Um jogo que, até agora, Léo estava perdendo feio.
A última rodada. Léo olhou para as cartas em sua mão, um misto de desespero e uma fagulha teimosa de esperança. O Doutor o observava, o jogo agora era mais do que números e riscos. Era um teste de limites, de até onde a necessidade podia levar um homem. O suor escorreu mais rápido, o calor do barracão parecia sufocá-lo. Ele sentia o coração martelar contra as costelas, o som abafado pelas suas próprias apreensões. A ficha final. De um lado, a possibilidade de um alívio tênue, um fôlego para seguir em frente. Do outro, o abismo. Um abismo para o qual Léo já vislumbrava os degraus, escuros e ameaçadores, que o aguardavam caso a sorte, hoje, lhe virasse as costas de vez. Ele estendeu a mão trêmula, a decisão pairando no ar denso, carregado de expectativas silenciosas e de um destino em risco.
Por: Catarina de Assis Mendonça

Deixe um comentário