Uma casa isolada onde um convidado morre misteriosamente durante uma tempestade.

Uma casa isolada onde um convidado morre misteriosamente durante uma tempestade.

A Tempestade Que Levou João: Um Mistério na Serra da Mantiqueira

A chuva começou tímida, mas logo se transformou em um dilúvio implacável. O vento uivava como um animal ferido, sacudindo as janelas da velha casa de pedra no alto da Serra da Mantiqueira. Ali, afastada de tudo e de todos, Dona Helena, uma senhora de 70 anos com rugas que contavam histórias e um coração ainda pulsante de generosidade, recebia um convidado inesperado: João, um ex-morador da vila que voltava à região após anos fora, em busca de um refúgio temporário.

“Ele chegou na sexta-feira, todo miado, dizendo que precisava de um lugar para espairecer”, conta Maria, a vizinha mais próxima, a quase um quilômetro de distância. “Dona Helena, coitada, nunca negou ajuda a ninguém. Mesmo com a idade, tem um braço forte e um coração maior ainda.” João, um homem de semblante cansado e olhos que pareciam carregar o peso do mundo, foi recebido com pão caseiro e café forte. Nos poucos momentos de calmaria da tempestade, as conversas na sala com a lareira acesa eram sobre as lembranças da vila, os tempos que mudaram e a solidão que, para muitos, se tornou uma companheira constante.

A noite de sábado foi a mais cruel. O som dos trovões era ensurdecedor, e a eletricidade, como era de se esperar naquele isolamento, falhou. Dona Helena, já debilitada por uma gripe, passou a noite inquieta, ouvindo o barulho da chuva e os gemidos do vento. João, que se acomodou num quarto de hóspedes que antes servia para receber os netos, parecia calado.

No amanhecer de domingo, quando a tempestade finalmente cedeu, deixando um rastro de galhos caídos e lama, Dona Helena, com dificuldade, levantou-se para preparar o café. Foi ao chamar por João que o silêncio tomou conta da casa. O quarto estava vazio. As roupas dele ainda estavam arrumadas, a cama intocada. O pânico, gelado e sufocante, começou a se instalar.

“Eu subi correndo, meu coração quase parando. Encontrei a janela do quarto aberta, jogada pelo vento. E lá fora…”, a voz de Dona Helena embarga, os olhos marejados fixam um ponto invisível na varanda onde ainda jaziam algumas folhas molhadas. “Não havia nada. Nenhum sinal, nenhuma pegada na lama, como se o vento tivesse levado o corpo junto com a chuva.”

A polícia da cidade mais próxima, a mais de duas horas de carro por estradas precárias e agora ainda mais difíceis, demorou a chegar. A cena, para os poucos policiais acostumados com crimes urbanos, era desconcertante. Não havia sinais de arrombamento, luta ou qualquer indício de violência. Apenas a porta do quarto aberta, a janela escancarada e a ausência de João.

“Fizemos o que podíamos”, explica o Sargento Silva, um homem pragmático que já viu de tudo, mas confessa que aquele caso o deixou perplexo. “A encosta é íngreme ali, e com a chuva forte da noite, uma queda seria possível. Mas sem um grito, sem um vestígio? É estranho.”

O contexto social da região adiciona camadas de mistério. A vila, que um dia foi próspera com o café, hoje vive da aposentadoria dos mais velhos e de pequenos empregos esporádicos. A solidão aperta, e muitas vezes, as poucas interações sociais se tornam um bálsamo. O desaparecimento de João, um forasteiro que buscava um recomeço, em circunstâncias tão bizarras, abriu um leque de especulações. Seria um acidente trágico, levado pela força da natureza? Ou algo mais sinistro, oculto pela cortina de chuva e pelo isolamento?

Os dias se transformaram em semanas. Dona Helena, fragilizada pela dor e pelo susto, tenta retomar sua rotina, mas os olhos que antes brilhavam com alegria agora buscam algo que o vento levou. João se tornou uma sombra na memória daquela casa de pedra, um eco silencioso nas noites de chuva. As poucas pessoas da vila que se lembram dele cochicham, criando teorias que vão desde a fuga voluntária até forças sobrenaturais.

O que realmente aconteceu naquela noite de tempestade na Serra da Mantiqueira? O vento uivou apenas de raiva, ou levou consigo um segredo sombrio?


Por: Silas Thorne, o Cronista do Insólito

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *