Um casal em lua de mel tropeça em um corpo em decomposição, suas férias viram um pesadelo midiático.

Um casal em lua de mel tropeça em um corpo em decomposição, suas férias viram um pesadelo midiático.

**A Maré da Descoberta**

O ar salgado da Praia do Forte ainda cheirava a protetor solar e planos futuros. Laura, com seu vestido de linho amassado pelo vento, apertava a mão de Pedro, a pele dele quente e levemente pegajosa sob a dela. Tinham decidido caminhar pela beira da praia ao amanhecer, buscando um pedaço de silêncio antes que os primeiros grupos barulhentos de turistas dessem vida à pequena vila baiana. O sol, ainda tímido, pintava o céu em tons de pêssego e lavanda, refletindo no mar calmo, pontilhado por barquinhos de pesca coloridos ancorados.

O som suave das ondas quebrando na areia era a única trilha sonora, até que um cheiro acre, metálico e nauseante cortou o frescor matinal. Laura parou abruptamente, o sorriso se desfazendo. Pedro a puxou suavemente, sem entender a apreensão dela.

“Que cheiro é esse?”, perguntou ele, franzindo o nariz.

“Não sei… é ruim”, Laura respondeu, apertando os lábios. Ela sentiu um arrepio percorrer a espinha, um pressentimento sombrio que o mar sereno parecia ignorar.

Seguiram mais alguns passos, a curiosidade vencendo a repulsa, quando o contorno irrompeu da vegetação rasteira que abraçava a areia. Não era uma formação rochosa, nem um tronco levado pela maré. Era um corpo humano, a pele escura e esticada sobre ossos, em avançado estado de decomposição. As roupas, um jeans desbotado e uma camiseta de algodão desfiada, mal disfarçavam a desolação. Um braço, rígido e em ângulo estranho, apontava para o horizonte como uma acusação silenciosa.

O grito de Laura foi abafado, um som gutural de horror que ecoou pelo vazio da praia. Pedro, atônito, soltou a mão dela e deu um passo para trás, o rosto empalidecendo. O cenário paradisíaco se transformou em um palco macabro. O cheiro se intensificou, agora dominado por moscas que zumbiam em torno da carne exposta.

“Meu Deus, Pedro…”, Laura murmurou, os olhos fixos na cena, incapazes de desviar. Ela sentiu o estômago revirar, e a promessa de um novo começo se desfez em pó e horror.

A chegada da polícia local, em uma caminhonete barulhenta e cheia de poeira, quebrou o encanto sombrio. As perguntas, os olhares curiosos dos poucos moradores que se aproximavam, a presença invasiva dos celulares filmando o inusitado – tudo se somou a um turbilhão de constrangimento e medo. Pedro, sempre o mais reservado, sentiu-se exposto, a fragilidade do momento invadido por olhares alheios.

Os dias que se seguiram foram um borrão de depoimentos na delegacia, de notícias que invadiam as telas dos seus celulares e da televisão do hotel. “Casal em lua de mel descobre corpo em praia paradisíaca.” A manchete se repetia, cruel e sensacionalista. A sua história, o início da sua união, havia sido manchada por uma tragédia alheia. As fotos de Laura, com o rosto pálido e os olhos arregalados de terror, circularam pela internet, cada clique um novo ferimento. A intimidade da sua lua de mel, que deveria ser um refúgio, tornou-se um espetáculo público.

Os olhares no hotel mudaram. Antes, de curiosidade pela recém-casada. Agora, de pena, de fascínio mórbido. Cada murmúrio parecia se referir a eles, a história horrível que eles haviam protagonizado. Pedro tentava proteger Laura, mantê-la alheia ao frenesi, mas o peso da situação era palpável. O sol parecia mais forte, o barulho das ondas, agora, mais alto, menos acolhedor.

Uma noite, sentados na varanda do quarto, o som da noite baiana – grilos, cigarras, o eco distante de um berimbau – os cercava. Laura segurava um copo de caipirinha, mas o brilho alcoólico não suavizava a angústia em seus olhos.

“Eu não aguento mais, Pedro”, ela disse, a voz embargada. “Parece que não somos mais nós. Somos a história do corpo encontrado.”

Pedro a olhou, a dor dele refletida nos olhos dela. O desejo de desaparecer, de voltar no tempo, era quase físico. Como se desvencilhar de uma descoberta que os aprisionou? Como encontrar o caminho de volta para a sua própria história, quando o fantasma de outra vida, e a atenção indesejada do mundo, pareciam ter roubado o palco?

Ele estendeu a mão e cobriu a dela, o toque um fio tênue de esperança no meio da tempestade.

“Vamos achar o caminho, Laura. Nós vamos. Isso é só uma maré. E nós vamos sair dela.”

Mas o mar, com sua imensidão e segredos, parecia ter deixado uma marca profunda na areia, uma pegada que os perseguiria, mesmo quando a luz do sol retornasse com força total. Restava saber se a maré da descoberta os arrastaria para o abismo, ou se eles encontrariam a força para nadar de volta à superfície, transformados, mas não afogados.


Por: Marina Rocha Antunes

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