O corpo de uma jovem com um símbolo gravado na pele na mata dos fundos da cidade.
**O Símbolo na Mata: Um Grito Silenciado na Fronteira da Esperança**
A mata. Aquele emaranhado verde que para muitos é apenas um cenário distante, o limite do asfalto, a barreira natural que define a periferia. Para nós, jornalistas da linha de frente, virou palco de um mistério que se agarra à alma, pesado como a umidade que emana do chão úmido. E o cheiro. Um cheiro que não se apaga, nem com a chuva, nem com o tempo. O cheiro de fim.
O corpo foi encontrado por acaso. Dois meninos, fugindo da bola que rolou para longe, se embrenharam mais do que o costume. Tiago, 11 anos, o mais medroso, foi quem viu primeiro. Um vulto. Um vulto de pele pálida entre as samambaias. O grito dele, assustado, rasgou o silêncio da tarde, ecoando pelos barracos e telhados de zinco do Beco da Esperança.
“Eu pensei que era um bicho, sabe?”, Tiago, com os olhos ainda marejados, confessa, a voz embargada. Ele segura um boneco de pano gasto, como se fosse um escudo. “A gente brinca aqui perto, mas nunca entra muito. Minha mãe fala que é perigoso.”
Era um corpo jovem. Muito jovem. A mãe, Maria das Dores, a Dô, uma senhora de cabelos brancos e mãos calejadas de lavar roupa para fora, mal reconheceu a filha. Mariana. Vinte e poucos anos, talvez. A juventude roubada, a vida interrompida antes mesmo de florescer. “Ela sumiu há uma semana”, Dô sussurra, o olhar perdido no vazio. “Falava que ia procurar um trabalho, arrumar dinheiro. Tinha sonho, meu amor. Tinha tanto sonho.”
O detalhe que nos gelou o sangue foi o símbolo. Gravado a fogo, ou algo similar, na pele lisa do ombro de Mariana. Um círculo com uma ponta para cima, como uma seta, e três pontos dentro. Não era uma tatuagem. Era uma marca. Uma cicatriz que parecia gritar mais alto que qualquer palavra.
“Nunca vi nada parecido por aqui”, diz o Seu Josué, o dono do pequeno armazém na entrada do beco, um homem de poucas palavras, mas que conhece a comunidade como a palma da mão. “Tem muita gente que vem e vai, mas Mariana era daqui. Quieta, sabe? Não se metia em encrenca. Trabalhava de diarista quando aparecia serviço.”
O contexto social paira no ar, pesado como a fumaça das churrasqueiras de domingo. O Beco da Esperança, como tantos outros redutos de trabalhadores em nossa cidade, vive na linha tênue entre a luta pela sobrevivência e a invisibilidade social. Drogas, violência, falta de perspectiva. O ambiente que Mariana, como tantos outros jovens, precisava atravessar todos os dias.
“Tem uns caras que andam por aí, mexendo com gente nova”, um vizinho, que pediu para não ser identificado, revela com cautela, olhando para os lados antes de falar. “Não sei o que são, mas trazem coisas estranhas. Sotaque diferente, carros que nunca vimos. Dizem que prometem dinheiro fácil, uma vida melhor.”
A polícia está no local, peritos em seus macacões brancos, coletando evidências. Mas a verdade, aquela que pulsa no coração da comunidade, parece fugir das mãos frias da burocracia. A investigação oficial caminha a passos lentos, enquanto o mistério da marca se espalha como um veneno.
E agora? O corpo de Mariana, com seu segredo gravado na pele, nos encara. Um lembrete cruel de que a beleza da juventude pode se esconder na escuridão, e que os símbolos que carregamos, ou que nos impõem, podem contar histórias que ainda não conseguimos decifrar. A mata guardou um segredo. Mas quem ou o quê a marcou? E por quê?
Por: Silas Thorne, o Cronista do Insólito

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