O barulho de algo arranhando do lado de dentro das paredes.

O barulho de algo arranhando do lado de dentro das paredes.

O Medo Murmurante: O Que Se Esconde Nas Paredes Da Vila Aurora?

O chiado fino e intermitente começou numa terça-feira chuvosa. Maria do Carmo, 67 anos, viúva e dona de uma casa modesta na Vila Aurora, periferia de São Paulo, hesitou em dar atenção. Pensou ser o vento, um ramo de árvore fustigando a calha, algo corriqueiro. Mas o som, insistente e peculiar, parecia vir de *dentro*. De dentro das paredes da sala, onde as fotos de seus filhos e netos sorriem em porta-retratos empoeirados.

“Começou baixinho, sabe? Parecia um rato gordo, daqueles que a gente vê em filme de terror”, conta Maria, os olhos marejados pela lembrança, enquanto acaricia o tapete puído no chão. “Mas não parava. E não era um barulho de bicho correndo, era um arranhar. Lento. Como se algo estivesse… trabalhando.”

Ela tentou ignorar, colocou um pingo de café extra no bule, ligou a televisão para abafar o som. Mas o arranhar se tornava mais nítido, mais presente. À noite, na quietude do silêncio imposto pela escuridão, o barulho virava um tormento. “Parecia que ia atravessar o reboco. Chegava a dar um arrepio na espinha. Comecei a perder o sono. Imagina, dormir com essa angústia?”

Maria não é a única. Na mesma rua, Dona Lurdes, a vizinha da frente, também ouve. “O meu é no quarto de empregada, que está vazio há meses. Um raspar constante. Meu neto, o Pedro, veio dar uma olhada. A gente ouve e pensa: é rato, é pomba, é alguma coisa que entrou no telhado. Mas não tem nada. O pedreiro falou que pode ser a fiação antiga, alguma coisa se soltando. Mas fiação não faz esse barulho, né? Fiação não faz esse *barulho*.”

O medo, antes restrito a assombrações de histórias infantis, começou a tomar conta dos moradores da Vila Aurora. Um bairro de gente trabalhadora, onde o custo de vida empurra os sonhos para mais longe e as paredes, antes símbolos de segurança e lar, agora sussurram incertezas. As casas, muitas construídas há décadas com materiais que já viram melhores dias, parecem ter desenvolvido uma nova e sinistra vida própria.

Carlos, um jovem entregador de aplicativo, conta ter ouvido algo semelhante na casa dos pais. “Era na cozinha. Parecia uma broca. Mas era um arranhar, sabe? A gente ficava com o ouvido em pé. Meu pai chegou a chamar um técnico para ver a encanação, mas ele disse que estava tudo certo. A gente não dorme direito, fica com o celular na mão, pensando em tudo. Será que é invasão? Será que a casa vai desabar? A gente vive sem muita grana, o medo é ainda maior quando se pensa no que custaria para arrumar.”

A ansiedade se espalha como um contágio silencioso. As conversas na vendinha do Seu Zé, ponto de encontro do bairro, agora giram em torno dos sons misteriosos. Teorias pipocam: pode ser obra de pichadores que invadiram o terreno ao lado e estão perfurando as paredes para passar fios? Algum animal exótico que se alojou na estrutura? Ou, para os mais supersticiosos, algo de outra natureza?

A falta de recursos para uma investigação mais profunda, a descrença inicial que abre espaço para o pânico, e a própria natureza insidiosa do barulho – que se manifesta e se esconde, quebra e retorna – alimentam a inquietação. As paredes da Vila Aurora, que antes guardavam memórias de famílias e lutas diárias, agora abrigam um medo palpável, um ruído que evoca o desconhecido, o que não pode ser visto, mas que, sem dúvida, está lá.

O que mais se esconde por trás do reboco rachado? Que segredos, ou que ameaças, estão sendo pacientemente esculpidas no silêncio da noite, alimentando a angústia de quem tenta encontrar sossego em seu próprio lar? E, no final das contas, o barulho que arranha é um aviso, uma manifestação ou apenas o lamento de um bairro que, como suas casas, também carrega as marcas do tempo e da precariedade?


Por: Silas Thorne, o Cronista do Insólito

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