Um sussurro no ouvido que ninguém mais ouve.

Um sussurro no ouvido que ninguém mais ouve.

**O Sussurro que Apenas Ela Ouve**

O cheiro de café passado em coador de pano ainda paira no ar da pequena cozinha de Dona Elza, um aroma que há décadas pontua o despertar da casa. Aos 78 anos, seus dias são marcados por uma rotina quase imutável: o jornal da manhã, o cuidado das poucas plantas na varanda e, nas tardes, as novelas na TV. Mas algo, ou melhor, alguém, tem quebrado essa serenidade. Um sussurro.

“É tão baixinho, sabe? Como um segredo que o vento traz”, diz Dona Elza, os olhos marejados, mas a voz firme. Ela não consegue precisar quando começou. Talvez há alguns meses, talvez anos. No início, pensou ser a idade, a solidão falando mais alto. “Meu neto, o João, às vezes vem aqui. Pergunto se ele ouviu algo, mas ele só ri, diz que a vovó tá inventando.”

O sussurro não tem palavras claras, é um emaranhado de sons indistintos, uma melodia fantasmagórica que surge em momentos de silêncio. No ônibus, enquanto observa a cidade passar pela janela, em casa, sentada na poltrona em frente à sala vazia. Às vezes, parece consolador, outras, um presságio. “É como se alguém estivesse perto, mas invisível. Uma presença.”

A comunidade onde Dona Elza mora, um bairro operário que viu gerações nascerem e envelhecerem em meio a casas modestas e a luta diária, não é estranha a histórias de assombrações ou de mistérios. Mas essa de Dona Elza é diferente. Não há relatos de aparições, nem vultos nas janelas. Apenas o som.

O Dr. Ramirez, médico geriatra que acompanha Dona Elza há anos, tentou encontrar uma explicação clínica. “Fizemos todos os exames. Audição, neurológicos. Não há indícios de alucinações auditivas comuns em certas condições. O sistema dela está saudável, dentro do esperado para a idade.” Ele coça a testa, desconcertado. “É um caso intrigante. Ela não demonstra sofrimento psicológico exacerbado, apenas uma confusão e uma busca por entender.”

Maria da Paz, vizinha de Dona Elza há mais de quarenta anos, a observa com carinho misturado a preocupação. “A Elza é uma mulher forte, trabalhadora. Nunca inventou nada. A gente sabe que tem coisa que a gente não explica, né? O mundo é grande.” Ela joga um olhar para o céu, como se buscasse respostas lá em cima. “De repente, é alguém que ela conheceu e que se foi, tentando mandar um recado. Ou sei lá o quê.”

No Brasil, onde o sobrenatural se mistura ao cotidiano em lendas e crenças populares, a história de Dona Elza ecoa um antigo temor e fascínio. Quantas vozes silenciadas pela vida, pelas perdas, pelos segredos não revelados, ainda ecoam em algum lugar, em algum sussurro? A linha entre a realidade palpável e o mundo etéreo se torna tênue, e a solidão, por vezes, abre frestas para o inexplicável.

Dona Elza não se desespera. Ela aprendeu a conviver com o sussurro. Às vezes, responde em pensamento, como se conversasse com uma amiga invisível. O mistério permanece, um fio de incerteza que a acompanha em seus dias. E assim, no silêncio da tarde, sob o olhar atento das suas plantas, Dona Elza espera.

Será que o sussurro de Dona Elza é o eco de um passado que insiste em não se calar, ou o prenúncio de algo que o futuro, em sua impenetrável neblina, ainda nos reserva?


Por: Silas Thorne, o Cronista do Insólito

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