O Eco das Telhas
O cheiro de poeira e madeira velha recebia Clara e Mateus como um abraço tímido, quase hesitante. A casa, herança de uma tia distante que eles mal conheciam, parecia suspirar ao deixarem as malas no chão de tacos gastos do hall de entrada. Era um casarão antigo em Santa Teresa, um daqueles com janelas altas que pareciam olhos curiosos e um jardim um tanto selvagem que descia a ladeira em cascata.
Clara, arquiteta com a alma dividida entre a praticidade do concreto e a poesia das construções antigas, sentiu uma estranha familiaridade ali. Cada rachadura no reboco, cada azulejo com a pintura desbotada, contava uma história. Mateus, músico acostumado ao barulho e à agitação da cidade, via na casa um refúgio, um silêncio que ele raramente permitia em sua vida.
Os primeiros dias foram uma dança de descoberta e adaptação. As tábuas do assoalho gemiam sob os passos, como se protestassem contra a intromissão. De madrugada, ouviam-se ruídos sutis: o tilintar distante de um copo, o arrastar de um móvel invisível, o murmúrio inaudível de vozes.
“São as telhas assentando”, Mateus dizia, com um sorriso forçado, tentando afastar o arrepio que percorria sua espinha. Clara, porém, começava a notar padrões. Certo barulho de chaves se repetia no mesmo horário, uma melodia de passos lentos parecia ecoar do corredor do segundo andar quando ninguém estava lá. Um dia, enquanto arrumava um armário embutido no quarto principal, encontrou um pequeno diário de capa de couro desgastado. As páginas amareladas eram repletas de uma caligrafia elegante e delicada, que pertencia a uma tal Aurora.
Aurora falava de um amor proibido, de cartas escondidas em um fundo falso da escrivaninha, de tardes de chuva passadas ouvindo as mesmas sinfonias que Mateus agora dedilhava no violão. Falava de um segredo guardado no jardim, perto de uma roseira que já não existia mais. Clara sentia uma conexão cada vez mais forte com aquela mulher do passado, cujos sentimentos pareciam reverberar nas paredes da casa.
Mateus, a princípio cético, começou a sentir a presença sutil. Uma nota esquecida em seu teclado parecia ecoar uma melodia que ele jurava nunca ter ouvido. Sonhos vívidos começaram a povoar suas noites, fragmentos de vidas que não eram as suas, mas que o tocavam profundamente. Um dia, enquanto buscava a origem de um fio de cabelo loiro que aparecia inexplicavelmente no sofá, ele sentiu uma mão fria tocar seu ombro. Virou-se, mas não havia ninguém. Apenas o ar, denso e carregado de lembranças.
A casa não sussurrava apenas segredos; ela compartilhava emoções. A melancolia de Aurora, a esperança de um encontro furtivo, o peso de um arrependimento. Clara e Mateus, em meio à desordem da mudança e à busca por entender os murmúrios da casa, começaram a confrontar seus próprios silêncios, suas próprias histórias não ditas. A casa parecia um espelho, refletindo não apenas o passado, mas também as sombras que eles carregavam consigo.
Uma noite, a luz bruxuleante da varanda revelou, por um instante fugaz, a silhueta de uma mulher jovem, parada no jardim, olhando para a casa. Mateus congelou. Clara, segurando o diário de Aurora, sentiu um arrepio que era, ao mesmo tempo, de medo e de um estranho reconhecimento. Os sussurros se intensificaram, parecendo chamar seus nomes, convidando-os a desvendar a última camada de um mistério antigo. A roseira sumida do jardim, o segredo guardado. O que estaria enterrado ali, aguardando para ser descoberto? E quem eram, afinal, Clara e Mateus para a casa? Meros ocupantes, ou herdeiros de uma história ainda por ser completamente contada? A brisa que entrava pela janela parecia carregar um convite, um chamado para que eles continuassem a escutar.
Por: Ricardo Soares Guedes

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