Sombras de campinas: relatos de figuras sombrias e humanoides observando os moradores de campinas em horários incomuns, culminando em desaparecimentos e paranoia coletiva.

Sombras de campinas: relatos de figuras sombrias e humanoides observando os moradores de campinas em horários incomuns, culminando em desaparecimentos e paranoia coletiva.

SOMBRAS DE CAMPINAS

O carteiro Adalberto, sempre pontual como o sol da manhã rompendo a bruma sobre as avenidas de Campinas, começou a notar as mudanças não nas correspondências, mas nos olhares. Olhos que se demoravam demais nas calçadas, em rostos que pareciam estranhamente emoldurados pelas sombras. No início, ele as atribuía ao cansaço, à rotina puxada, àquele calor abafado que grudava na pele como um suor insistente. Mas depois vieram os outros relatos.

Dona Cecília, a florista da Rua Barão de Jaguara, acostumada a ver a cidade despertar em tons vibrantes de girassóis e dálias, jurou ter visto “coisas” pairando nos becos, nas frestas de prédios antigos, quando o luar ainda lutava para se firmar no céu. Formas altas, esguias, que não se moviam como as pessoas, mas como neblina densa ganhando contornos vagos. Descreveu-as como “silhuetas de um pesadelo, mas com o cheiro de terra úmida e folhas secas”. Ela sempre recebia flores frescas do interior, e o cheiro da terra era familiar, mas este era diferente, carregado de um silêncio que arrepiava.

O adolescente Léo, que passava as noites em claro jogando online no seu quarto no Taquaral, relatou ter visto figuras humanoides observando-o da janela do seu apartamento, mesmo no terceiro andar. Eram “olhos que brilhavam no escuro, sem expressão”, e um contorno que parecia dançar na linha do horizonte, misturando-se à poluição luminosa da cidade, mas de uma forma sinistra. Ele os via durante as madrugadas, nos horários em que o silêncio se tornava quase palpável, apenas quebrado pelo zumbido distante do tráfego ou pelo latido de um cão perdido.

A paranoia começou a se instalar, sutilmente. Não havia pânico explícito, mas um medo contido, uma desconfiança mútua. As conversas nos mercados da Vila Industrial se tornaram mais sussurradas, os olhares mais furtivos. As pessoas evitavam as ruas após o pôr do sol, trancando as portas mais cedo, reforçando as grades. A noite, antes um momento de descanso e convívio, transformou-se em território de observação.

E então, os primeiros desaparecimentos. Um idoso que saiu para a caminhada matinal e nunca mais voltou, seu cachorro encontrado latindo desesperado perto de uma mata fechada na periferia. Uma jovem universitária, vista pela última vez saindo da biblioteca da Unicamp, seu celular deixado na mesa, desligado. O noticiário falava em fugas, em crimes comuns, mas os boatos nas redes sociais e nas rodas de fofoca pintavam um quadro mais sombrio, mais alienígena. Relatos de vultos nos portões, de sussurros ininteligíveis ecoando nas ruas desertas.

O detetive Aguiar, um homem grisalho e calejado pelas agruras da vida, sentia a pressão aumentar. Ele via os rostos assustados, os relatos desconexos que não se encaixavam em nenhum padrão criminal conhecido. A ciência, a lógica, tudo parecia insuficiente para explicar a sensação crescente de que algo fundamental estava errado em Campinas, que as sombras não eram apenas a ausência de luz, mas algo mais antigo, mais faminto, espreitando nas bordas da realidade conhecida.

Uma noite, Aguiar estava dirigindo pela Rodovia Anhanguera, a chuva fina batendo no para-brisa, a paisagem urbana dissipando-se em borrões de luz. Ele reduziu a velocidade ao notar algo incomum no acostamento. Não eram animais, nem pessoas pedindo carona. Eram figuras. Altos e esguios, com contornos que pareciam absorver a pouca luz que os alcançava. Pareciam estar observando a rodovia, os carros passando, como se estudassem um ecossistema estranho e confuso. Ele não sentiu medo, mas uma profunda melancolia, uma compreensão tácita de que a cidade, com seus prédios modernos e suas vidas apressadas, era apenas uma fina camada sobre algo muito mais vasto e incompreensível. Ele piscou, e as figuras haviam sumido, deixando apenas a chuva e o asfalto molhado. E a certeza, fria e penetrante, de que Campinas não estava mais sozinha em sua vigília noturna.


Por: Elara Vance, a Arquivista do Crepúsculo

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